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Desporto, Cultura e Política: a tripartite de Orlando Silvestre

Formado em medicina veterinária no início dos anos 1980, Orlando Silvestre Filho se envolveu com o desporto muito cedo, ainda no colegial. Na faculdade, encontrou a cultura dentro dos movimentos estudantis e partidários.

Sobrinho de José Orcírio Miranda dos Santos, o deputado estadual Zeca do PT, e primo do deputado federal, o petista Vander Loubet, Orlando, enfiou-se nos meandros dos bastidores da política dentro e fora do estado, logo que completou a faculdade. Com mais de 40 anos de vivência nessas três áreas, Orlando Silvestre divide testemunhos que resultariam em um livro sobre o próprio MS.

Orlando Silvestre na Assembleia Legislativa com Zeca do PT, Heitor Miranda e a irmã, Myrian dos Santos. Reprodução Redes sociais.
Orlando no 1° Fórum Integração dos Municípios do Corredor Bioceânico, realizado na Assembleia Legislativa. Na foto estão, o tio, Zeca do PT, o cunhado, Heitor Miranda e a irmã, Myrian dos Santos. Reprodução/Redes Sociais.,

Giovanni Dorival: Oi, Orlando! Tudo bem?

Orlando Silvestre: Fala Giovanni Dorival…

Giovanni Dorival: Opa! Bom. Vou começar te perguntando sobre como você se enfiou entre políticos e espaços culturais.

Orlando Silvestre: Sobre a política foi uma coisa. A minha introdução no mundo da política foi por curiosidade. Eu já estava na faculdade, em 78, foi quando eu votei pela primeira vez. Ao votar pela primeira vez teve ali no Fórum, na 26 de agosto, a apuração. E a apuração, eu ficava na primeira fila e tinha a transmissão. O povo contando o voto e eu na frente na plateia. Aí eu achei interessante, e a partir de 78 eu comecei a me envolver na vida partidária. Eu estava na faculdade e estava surgindo, na época o PT. Era partido novo. A cultura, porque quando eu estudei o científico no colégio Dom Bosco, eu participei com três alunos do Dom Bosco do Super Oito, Cinemão de Campo Grande e eu fiz a locução desse Super Oito. Então, entre aspas entrei no mundo do Cineclube daquela época, que fazia o trabalho e depois apresentava no Cineclube. Todos os diretórios acadêmicos tinham seu cineclube. E quando eu cheguei na faculdade oriundo mais do mundo esportivo, eu descobri que os diretórios acadêmicos tinham muita coisa culturais. Fazia medicina veterinária na UFMS, então era do diretório do Centro de Ciências Biológicas de Saúde. Eu já era de esquerda, e lá tinham os varais da poesia. Era o único lugar naquela época que a gente estava contra a censura onde a gente podia expressar algumas coisas. Nos varais de poesias universitários. Porque eu fazia poesias para as minhas namoradas, poesia romântica. Aí eu entrei no mundo da poesia. Mas entrei na poesia marginal. Eu nunca quis produzir livro individual, tal. Eu saia com os meus amigos, na época porra louca, se fazia trecho para Santo Antônio do Leverger, não tinha chapada em Cuiabá. Íamos nesses trechos assim, declamando, vendendo poesia de xérox para pagar nossa mesa, nossa viagem e tal. Então a gente era considerada a poesia marginal. Depois, na universidade fizemos FUA, o Festival Universitário de Arte, entrei no grupo de Teatro Carandá da UFMS, do Carandá fui para o GUTAC[i] que tinha projeção por conta do Américo Calheiros e da Cristina Mato Grosso, Mambembe, o Mambembão, e eu segui lá no Foi no Belo Mato do Sul. Com isso fui eleito secretário geral da Federação de Teatro Amador que na época o FESMATA. E presidi a 4ª amostra de Teatro Amador em Dourados e, em 86 eu fui seu secretário, posteriormente eu fui se 3º presidente e participei das dez primeiras noites da poesia. Estamos chegando daqui a pouco a 40 edições. Então eu fazia literatura, teatro, tinha feito Super Oito. Só que eu também me projetei muito no esporte fui campeão de atletismo, joguei no time do Operário Futebol, fui campeão nacional. E no final eu fazia política, esporte e cultura. Ao mesmo tempo que entrei na política, entrei na cultura e entrei no esporte.

Giovanni Dorival: Tinha censura aqui no estado?

Orlando Silvestre: Eu e o Alex Fraga nos conhecemos descendo de ônibus da Polícia Federal. Nós escrevemos umas músicas, umas letras no FESUL, Festival da TV Morena, e você tinha que levar tuas letras para ser aprovada pela censura da Polícia Federal. A censura era no Brasil inteiro. Tô te contando um episódio que, vira e mexe, eu e o Alex Fraga, a gente remonta. A censura não era no nosso estado. A censura era no Brasil inteiro. Nós estamos falando ali da época mais leve, já no final da ditadura entre 76 e 80, você entendeu? Imagina você fazer alguma arte, alguma coisa que era contra a ditadura. Você era preso! Simplesmente isso. Tanto pelo exército quanto pelo DOI-COD, o sistema deles lá, tal. Então, a censura não era no Mato Grosso do Sul, a censura era no Brasil inteiro. E, teoricamente, pela legislação, as universidades e embaixadas e aeroportos, são considerados áreas internacionais. Por isso quando você vê um golpe, os aeroportos ficam cheios. Os aeroportos internacionais, igual aqui em Campo Grande. As embaixadas e as universidades também, para preservar o saber. Por isso que teoricamente, eles teriam dificuldade para entrar nas universidades. Ai nós ativistas, já começando o mundo da esquerda, éramos considerados revolucionários, a gente falava que era contrarrevolucionário. Uma coisa de ser contra a ‘revolução’. Nós descobrimos que nos varais de poesias universitários, a gente podia fazer umas poesias com críticas sociais. E aí a gente aproveitava os varais. Tinha o lado do amor, e tinha o lado dos caras que tinham o dom de escrever pesado contra a ditadura.

Giovanni Dorival: Entendi. Você estava ativo nessas três áreas: política, esporte e cultura quando aconteceu a divisão do estado. Como foi?

Orlando Silvestre: Quando aconteceu a divisão do estado, eu tinha recém completado 18 anos. Estava saindo do 2º grau. Quando começou a ser instalado o estado, a maioria dos meus amigos do Colégio Dom Bosco, e o da minha irmã no Auxiliadora, viraram funcionários públicos. Porque eles eram filhos do X, Y, H e I, e eu e minha irmã resolvemos não ser funcionário público na época. Nem posteriormente, tivemos cargos públicos, funções públicas, mas a gente não foi igual os nossos amigos. A gente acha que foi bom não ter sido funcionário público, porque dá uma sustentação, um equilíbrio financeiro, mas, é melhor ficar livre, porque você viaja na hora que você quer. Faz as coisas na hora que você quer. Não aprende comando de controle como respeitar chefe. Tive cargos públicos, nunca tive empregos particulares. Trabalhei na empresa da minha família, mas, eu nunca fui empregado de ninguém. Então isso dá uma liberdade muito grande para a gente. A divisão do estado era meio complicado porque eu era adolescente, entrando na faculdade e não tinha vivência. E na verdade, nós, nessa faixa etária não tínhamos noção da luta histórica para a divisão e tudo. Eu como atleta fui maltratado em Cuiabá porque era 100m campeão estadual. Ia lá e ganhava tudo deles e eles faziam sacanagem com a gente. Eles colocavam na chegada, tinha aquela linha ainda, esticavam muito e arranhava o nosso peito e sangrava. Era a rivalidade de Cuiabá e Mato Grosso do Sul. Tinha no esporte, mas não sabia que tinha na área política. Na mudança do estado eu não tinha a compreensão do momento histórico que estávamos vivendo. Hoje eu sei, mas na época eu não tinha essa noção. Eu entrei na UEMT e se transformou na FUFMS[ii].

Giovanni Dorival: Entendi. Qual a sua percepção desse momento da divisão hoje?

Orlando Silvestre: Hoje a divisão do estado em MS e MT. Eu tenho várias percepções, porque eu vivi ela. Primeiro é o movimento que começou com o estado de Maracaju[iii], o processo de divisão e posteriormente com o tempo, politicamente consolidou. Segundo que na época, a riqueza do MS, dois terços era do sul, e um terço era do norte, então nós tínhamos a noção de que nós sustentávamos o norte. E outra questão é a visão do Ernesto Geisel e do Golbery de Couto e Silva que tinha da geopolítica de que dividindo o estado, o desenvolvimento chegaria ainda mais rápido, além de atender ao [iv]Arena, colocando mais senadores, mais biônico para eles lá no Congresso Nacional, onde tem o jogo no cenário nacional. Vou te contar, hoje, nós éramos duas vezes mais ricos que o Mato Grosso. O Mato Grosso hoje é duas vezes mais rico do que nós. Eles cresceram oito vezes e nós crescemos duas vezes em dinheiro, porque Mato Grosso explodiu por causa da Amazônia de baixo lá, o sul da Amazônia, Rondônia. Tudo aquilo ali fica em função hoje de Cuiabá e desenvolvimento deles ali. Imagine se unir, hoje, Mato Grosso e MS, sei não, eu acho que nós seríamos o terceiro estado do Brasil em economia. Foi geopolítica ali. Hoje, o viés divisão, se você faz o recorte cultural, econômico, político, esportivo, institucional. Tudo isso aí, você tem várias visões. E eu acho que o governo acertou na divisão porque realmente acelerou o desenvolvimento dos estados.

Giovanni Dorival: Você acha que desde a divisão nós conseguimos criar uma identidade cultural política própria?

Orlando Silvestre: Não… A gente vai vivendo dos momentos, né. Eu sou filho de paraguaia com filho de imigrantes italianos vindo de São Paulo. O meu pai era paulista, meu avô paraguaio, como dizia a músico do Chico Buarque. Então o que que ocorre, meu sangue é 75% estrangeiro, e um brasileiro de 1ª geração. Então tem o fator dos imigrantes, porque eu sou filho de imigrantes, minha mãe era imigrante, 100% paraguaia. E meu pai, italiano nascido em São Paulo. Aí você entra aqui e encontra a colônia japonesa, a colônia paraguaia que é enorme, a colônia libanesa. Posteriormente com a explosão de São Gabriel do Oeste e Dourados, nós também tivemos uma influência gaúcha muito forte, paranaense. Fundação aqui da capital por mineiros, Costa Leste é, ali, praticamente paulista. Então, eu não acredito que nós tenhamos uma identidade cultural, não. Porque eu sei as origens de cada um. Tô te contando, eu tenho duas origens, a italiana, via São Paulo, com estágio no Paraná e a Paraguaia. Que eu sempre tenho mantido relacionamento. Eu mesmo sou nascido em Porto Murtinho, Porto Murtinho era do Paraguai, aí o Brasil se apoderou e depois dividiu. Eu nasci no Mato Grosso Uno, depois se dividiu. Quer dizer, de Porto Murtinho fui paraguaio, mato-grossense e depois sul-mato-grossense. Na minha existência, só aí, já tem 3 bandeiras. Nós somos muito miscigenados. Agora, daqui há X gerações, pode se formar uma identidade, mas, eu consigo, com minha cultura, meu conhecimento, identificar a origem das coisas, você entendeu? O sobá foi uma criação da família, Katsuren, o arquiteto Katsuren meu amigo, me levou ali na Quartoze ao lado do colégio Dom Bosco onde eles botavam a feira. Quando eu cheguei era na Rui Barbosa com a Abraão Júlio Heine. Cheguei a morar lá, uma quadra depois. E os Katsuren na feira foram vender o sobá. Inicialmente, era para os trabalhadores da feira, hoje na Feira Central é o espetinho e o sobá. Então eu sei as origens de várias coisas aqui, culturais, gastronômicas, institucionais. Família Zahran nem se fala, a Copa Gás e a TV Morena, não são brasileiros. São nascidos aqui, sim, mas não são. Quer dizer, nós somos multifacetados e oriundos de várias culturas.

Giovanni Dorival: E na política, como foi essa mudança de sair do movimento estudantil, entrar no jogo, propriamente, e eleger os seus políticos?

Orlando Silvestre: Eu aceitei, já formado, trabalhar no sistema. Eu aceitei a indicação da esquerda para compor o governo, o suporte político do Lúdio Coelho. A partir daí eu virei ludista, né. A partir daí até 2002 eu fiz campanha. Só a orientação. Eu não fui secretário em nenhum dos governos dele, nem o de 88, até porque eu optei por realizar o meu sonho de ser assessor do reitor, então eu não podia acumular cargos. Já era proibido pela constituinte em 88. O Lúdio ganhou em 88, assumiu em 89, o Fauze assumiu antes, em questão de meses. De qualquer maneira, ambos me convidaram para compor o seu governo. E eu optei por realizar um sonho onde fiquei dez anos lá na universidade, para ser assessor do reitor. Posteriormente o Fauze foi secretário de educação do Pedro Pedrossian. E eu também já era operador político do Fauze. Nós já ajudamos. O Lúdio perdeu em 86 para governador e o Pedrossian para senador, em 85, nós tínhamos perdido a prefeitura para o Juvêncio. Nós perdemos na convenção que o governador Wilson Barbosa Martins votou aqui no Lúdio Martins Coelho, numa cesta de lixo. Estava sem urna, e que, inclusive quem apurou aquela sessão fui eu, dei até entrevista na época. Porque foi um fato. O governador chegou para votar, a gente não tinha a urna de coletar e nós improvisamos com uma cesta de lixo que era da sala de aula para ele votar. E eu que era responsável por esse setor. Nem filiado do PMDB era, mas ninguém duvidava. Eu era o homem político do Lúdio, imagine, se eu não fosse teoricamente filiado. Mas, não era. Eu era afiliado do PT, do PT eu fui para o PSDB, e são minhas únicas afiliações partidárias em cartório eleitoral. E agora que eu vou tirar e ir para o PSOL. E a partir de 82, nós seguimos até 2002. Eu, sempre sob a orientação, apoiava o candidato que o Lúdio apoiava. Pelo Lúdio, entrei no jogo com o Pedrossian e o Collor que tinha 1% das intenções nas pesquisas em 89. Aí, quando o Collor fez o comício aqui, foi abrindo a imagem. Estava o Collor, a Roseane Collor, o Lúdio, o Pedro. Eu do lado do Lúdio. O resto, só segurança. Porque eu fiz o palanque daquele comício. Meus amigos me viram no Brasil inteiro. Ganhamos com o Collor na presidência. Foi a primeira campanha à presidência em nível regional que eu participei, e nós ganhamos. E aí começou! Eu sempre segui a orientação do Lúdio Coelho. Desde 1983 virei Ludista…

Giovanni Dorival: Em 1983?

Orlando Silvestre: Na verdade, a partir de 82, a cada 2 anos eu fiz campanhas. Eu vou lhe dizer. Outro dia eu fiz essas contas, quando fui trabalhar em São Paulo. Aí eles me falaram, não é necessário, eu sei que você fez várias campanhas conosco. O PT e fora da gente você já veio com coordenação de campanha e tal.

Orlando já se aventurou em uma candidatura, não obteve êxito, mas serviu de experiência. Reprodução/ Redes Sociais

Giovanni Dorival: Quantos candidatos você elegeu até agora?

Orlando Silvestre: Eu acredito que entre coordenação geral, coordenação, consultoria e apoio, foram mais de duzentos eleitos, porque eu peguei dois padrinhos bons. Lúdio e Pedro. Tinha os pedristas que se elegeram nas suas cidades e teve os ludistas que se elegeram. Então aquelas pessoas que vinham pedir apoio para o Pedrossiam, o Lúdio geralmente me indicava para conversar, para viabilizar, para apoiar. Vou te contar um caso que será um Registro Histórico: Era um final de semana, e eu fui escalado para ir na casa do Lúdio, chegando lá ele me avisa que iriam chegar filhos de amigos dele de Maracaju. E eram o Azambuja e o irmão dele. O ex-governador Reinaldo Azambuja. O irmão dele, o Silvio, fazia Direito e era meu amigo aqui de Campo Grande. O Reinaldo eu não conhecia. E o cunhado dele, o Léo Miranda, fez veterinária comigo. Era da minha turma. Então, o único que eu não conhecia era o Reinaldo. No meio da conversa sobre política, o Lúdio me apresentou como assessor e para cuidar do assunto. Foi um dos mais de duzentos prefeitos que ajudamos a eleger com o apoio de Lúdio. Reinaldo Azambuja em Maracaju. Eles precisavam dobrar o Nestor Muzzi, então eu contei que o Nestor estava com o flanco aberto, sem entrar em detalhes. Disse que ele não tem condições de ser prefeito. “Onde ele está?’, perguntou. Respondi ‘ele está lá na Cabana Gaúcha’. Eles tinham um almoço marcado e eu disse: ‘Então, Reinaldo, vai lá, bate na mesa e diz que você vai ser o prefeito porque ele não tem condições’. E eu fui lá, tinha um dossiê, e disse que ele não poderia ser prefeito, porque ele estava com o flanco aberto, não tinha condições. Acabou que ele aceitou ser vice do Reinaldo. O Reinaldo se elegeu prefeito de Maracaju, depois deputado estadual, foi para deputado federal e depois senador. Essa é a História o resto é Conversinha.

Giovanni Dorival: E, a ligação no escritório para a campanha do Collor, como foi?

Orlando Silvestre: Outra revelação: Lá na rua Alagoas, no PSDB, o diretório político do Lúdio, minha sala era no andar de cima, próxima a do Lúdio e quando tocava o telefone dele eu tinha a autorização para atender porque aquele telefone era o número para assuntos políticos. Sendo que ele tinha na área rural, o escritório da fazenda que o Luizinho Viana atendia, e no setor geral era o Fagundes que tinha outro número. Não tinha celular na época, era tudo telefone fixo. Então, aquele telefone da mesa dele era interesse só político, logicamente que o diretório lá embaixo tinha o telefone geral, do ramal e tal. Aí tocou o telefone, era época de campanha do primeiro para o segundo turno de 89. E eu atendi o telefone. Quem era daqui, sabia quem era o Orlando Silvestre falando, porque eu falava de uma maneira e o linguajar do Lúdio, mais xucro era de outra, de alto nível, mas xucro, mais direto. Eu não. Tocou o telefone. Era o Chico Santa Rita, marqueteiro do Collor. Só que o Chico, na época, não trabalhava no MS, e não reconheceria a voz do Lúdio. Quando tocou o telefone, ele estava na linha direta para falar com o Lúdio. Eu atendi, e o cara já chegou se apresentando. Falando de campanha e tal. Falou ‘seu Lúdio Coelho’, eu digo, ‘sim’, (risos). Não vou cortar o pique dele, né. ‘Vocês, o MS ganhou do Alagoas, e Campo Grande ganhou de Maceió. Quem fez a campanha, você tem o nome dele?’, eu falei ‘eu tenho, ele disse ‘quem é?’. ‘Orlando Silvestre!’, (risos). Eu não falei que era eu. Ele disse, ‘então tem como você me mandar ele amanhã em São Paulo?’, eu digo: ‘estou mandando, agora!’, e era eu mesmo, rapaz (risos). E assim eu fui fazer o segundo turno lá em São Paulo. Do Collor contra o Lula. E lá era ‘olê, olê-Olá, Lula, Lula’! Cara, aquele Vale do Anhagabaú era só bandeira vermelha, nos prédios, só bandeira vermelha. Aí, você sabe, né. O Collor ganhou do Lula. Mas, porque eu era ludista, eu aceitei a missão lá atrás.

Giovanni Dorival: Você havia se desligado do PT nessa época?

Orlando Silvestre: No PT. Tem uma história interessante. O diretório regional municipal do PT era na Afonso Pena ao lado de uma casinha que virou o estacionamento do Exceler Plaza Hotel e, em 82, eu perdi a presidência do diretório municipal do PT para o Wilson Barbudo, lá das Moreninhas. Que foi outra perda que me deu lucro. Porque se, talvez eu tivesse virado presidente municipal do PT naquela época, eu não teria feito a carreira com o Lúdio e com os outros partidos e as campanhas que eu fiz na minha vida. Porque aí seria só petista, de cabo a rabo, você entendeu? Porque na verdade, na universidade quando eu vendia a estrelinha do PT, vermelha, aquela simples, lá, ninguém queria. Entre os professores da universidade tinha poucos petistas, eu quase apanhava, lá, nas salas e nos corredores porque eu era petista radical. Mas eu perdi a campanha para o Wilson Barbudo, da presidência municipal. Como também aconteceu em outra perda na minha vida, que fui lucrativa para caramba, foi quando eu perdi por dois votos o conselho deliberativo do Operário, também. Eu não faria a carreira política que eu fiz, e não faria a carreira de um projeto nacional grande no xadrez se eu ficasse aqui como presidente do Operário. Eu só tive duas afiliações partidárias. Fiquei no PT, quando entrei na universidade até o Lúdio pegar o PSDB em 1991. E de lá até aqui eu sou filiado ao PSDB.

Giovanni Dorival: Você também acompanhou a dinastia Pedrossian?

Orlando Silvestre: De 1985 a 1990… O Pedrossian se aliou ao Lúdio 20 anos depois da grande campanha de 65, Tostão contra o Milhão, quando o Lúdio pai gastou um absurdo, uma verdadeira fortuna. E o Pedro, engenheiro, chefe da Noroeste do Brasil, a Nob, a nossa linha de trem, ganhou do Lúdio. E, em 85, o Pedrossian veio lá por baixo, depois da divisão do estado, daquela briga dele, o Marcelo Miranda… O Wilson conseguiu se eleger em 82 e em 85 e 86 o Pedrossian veio apoiar o Lúdio. Em 88 perdemos para o Marcelo Miranda, mas o pessoal do Pedrossian me conhecia porque eu era um dos coordenares gerais da campanha do Lúdio a nível municipal. Eu era novo ainda, e o presidente do diretório municipal do PTB era o Paulo Coelho Machado e eu era tesoureiro do partido, e o Alexandre Friso, médico, era o secretário. Eu e o Alexandre fazíamos a vida partidária para o Lúdio. O Lúdio se elegeu em 88, 89 se elegeu Collor, e em 90 se elegeu o Pedro. Terminada a campanha, o Lúdio me chama. ‘Fala meu guerrilheiro! É o seguinte: você trabalhou nessa campanha geral. Você pode escolher, se você quer seguir com o Pedro. Porque eu não vou seguir com o Pedro’. Ele tinha sido eleito único prefeito do PTB numa capital, e o Pedro também único governador do PTB, no Brasil. Falei ‘mas Lúdio, agora que nós temos a prefeitura o governo na mão!’, ele disse, não. ‘Ele vai me trair’, entre aspas, ‘e eu vou sair, vou criar um novo partido’. E ele foi para o PSDB. Eu fui um dos que mais agitou para que ele fosse para o PSDB, porque eu considerei que seria um bom perfil. E ele migrou para o PSDB. E ele disse ‘você escolhe: ou vai para o Pedrossian trabalhar, numa boa, ou você fica com a gente’. Falei ‘não, eu sou ludista’. Eu já era do Conselho Estadual do Desporto, nomeado pelo governo Marcelo Miranda, eleito pelas federações. Falei ‘vou ficar. Eu sou ludista. Vou ficar com o senhor’. Nós perdemos em 92 para o Juvêncio de novo. E em 94 ele se elegeu senador. O Wilson governador, de novo, e o Lúdio senador. O Pedrossian foi só na época que ele apoiou o Lúdio. A hora que o Lúdio resolveu abrir do Pedrossian e se unir com o Wilson Barbosa Martins, eu segui ele. Tem uma história do Juvêncio. Se querer eu conto.

Giovanni Dorival: O que aconteceu com o Juvêncio?

Orlando Silvestre: O Lúdio era prefeito nomeado de 82, com a eleição do Wilson. As prefeituras das capitais e dos municípios que eram considerados áreas de segurança nacional por conta das fronteiras, da hidrelétrica, eram prefeitos nomeados. Em 85, antes de completar o tempo de mandato, a Legislação Eleitoral Brasileira, passou a determinar que as capitais e os municípios de áreas de segurança nacional, iriam eleger os seus prefeitos. Só os prefeitos. Aí tem um fato porque em 82 tinham sido eleitos os vereadores, e esses vereadores foram prorrogados até 88 no mandato. Ganharam seis anos. Foi o Mooca, o primeiro cargo dele, que entrou em 82 e se estendeu até 88 por causa dessa nova legislação. E nós indicamos Harry Amorim Costa, e perdemos na conversão para o Juvêncio. Mas, o Lúdio seguia as orientações do partido. Então, mesmo nós perdendo na convenção, com a máquina municipal, o Wilson que nomeou ele com a máquina estadual, nós aceitamos apoiar a campanha do seu Juvêncio. O Lúdio indicou duas pessoas para fazer campanha: eu numa área, e o Francisco Lagos noutra área. Quem iria tocar a campanha pelo Lúdio era o Lagos numa área, e eu noutra área. O Lagos mais na área publicitária e jornalística, e eu na área mais operacional para mexer a estrutura do Lúdio que era o que sempre fazia nas campanhas dele. Bom, Levi Dias, faltando um mês para a campanha, meteu nas pesquisas daquela época, 60 a 20. Aí nós fomos chamados na reunião. Não vou falar onde para não comprometer as pessoas. E, falaram ‘olha, nós, no governo’, falando em nome do governo, ‘estamos retirando. A campanha está perdida’, aí eu falei ‘Lagos, espera, deixa eu falar: nós estamos aqui pelo Lúdio, então nós temos que falar com o nosso líder, aí nós damos uma resposta’. Mas o governo tinha falado que o Juvêncio tinha perdido, por que o outro tinha metido 3,4 a 1 nele. Faltando um mês de campanha, mais ou menos. Aí nós fomos no Lúdio. E ele disse, ‘não, não vou abandonar, não. Eu dei minha palavra. Chama o Juvêncio aqui’.

Giovanni Dorival: E como foi a atuação com o Juvêncio?

Orlando Silvestre: O Juvêncio cometia alguns erros, ele tinha um pampinha, ele era vereador, ele ia nos comícios e nem sabia onde que era o comício. Ficava lá no bairro perdido. E o Levi Dias tinha um Landal e ele ia certinho. Aí nós chamamos o Juvêncio e dissemos ‘a partir de agora, nós vamos pegar tua campanha porque o governo abandonou você. Nós vamos pegar a tua campanha porque o Lúdio não vai te abandonar, não. Só que algumas coisas vão mudar. Um dos nossos carros, o Lúdio tem uma pequena frota com ar e com motorista, vai te pegar. Você não vai ir mais de pampinha e errar lá e ser chacota no bairro. Então agora você fica na tua casa, se ajeita e tal hora o carro te pega para uma reunião ou agenda e você vai. Agenda quem irá fazer somos nós, porque teus parceiros te abandonaram, mas nós não iremos te abandonar porque o Lúdio não vai’. Eu e o Lagos resolvemos fazer um comício ali na rodoviária, quando o pessoal fez um comício lá na Afonso Pena com a Quartoze, porque a rodoviária era um lugar central. Todos os ônibus caiam ali. Mobilizamos o pessoal e os caras que estavam na rodoviária andavam uma quadra e já caiam no nosso comício. Aí no meio do comício, o grande Lagos teve a grande sacada que virou o jogo.

Giovanni Dorival: Que sacada foi essa?

Orlando Silvestre: Porque houve o abandono da coordenação estadual para a coordenação municipal. Era o PMDB estadual e o PMDB municipal. O PMDB municipal respondia pelo prefeito, e o estadual quem respondia era o governador. Como o estadual abandonou o Juvêncio, nós resolvemos pegar o Juvêncio. Ai, nós fizemos esse comício e no meio do comício o Lúdio pegou o chapéu dele e colocou na cabeça do Juvêncio, essa sacada foi do Lagos, não minha, vamos dar crédito para quem merece. Contar a história como ela foi. A partir daí nós sabemos o resto da história: Juvêncio se elegeu prefeito em 85. E o Levi Dias perdeu a prefeitura. Em 86, o Juvêncio falou ‘olha Lúdio, foi importante, você me elegeu, mas nós ganhamos a convenção de vocês’, e roeu a corda. Voltou lá para os braços do seu Wilson Barbosa Martins e do seu Marcelo Miranda, que viria a ganhar a campanha para governador em 86. E o Lúdio e o Pedro perderam. A participação com o Juvêncio foi essa, de elegê-lo prefeito. Em 88 nós ganhamos, e em 92 o Juvêncio, ganhou da Marilucia, sendo que das oitocentas urnas na época, de 92, nós ganhamos com a Marilu, 500, e o Juvêncio ganhou em 300, só que onde a gente ganhava era por cinco a dez votos. As urnas que o Juvêncio concentrou votos abria cem votos. Aí o Juvêncio virou o prefeito. O Juvêncio foi contra nós na convenção, nós fomos a favor dele nas eleições e depois na reeleição do quando abriu essa possibilidade no governo Fernando Henrique, ele o Juvêncio veio com o PMD para ganhar de nós. Em 94, o Lúdio se dissociou do João Wilson e se elegeu senador ficando até 2002.

Giovanni Dorival: E sobre o Bolsonaro versus Lula. Que história é essa?

Orlando Silvestre: Bolsonaro versus Lula, eu como tenho 45 anos de vivência política intensa, eu achava que lá atrás, o Lula iria dividir o Brasil. Porque o Bolsonaro se elegeu mais ou menos na mesma linha do Collor em 89. Vindo de baixo, com pouca votação e ganhando a eleição. Cada um com seu contexto. Mas, quem dividiu o Brasil, foi o Bolsonaro. Ele dividiu o Brasil. Cristalizou a direita. Hoje a direita tem, tranquilamente 30% cristalizado, e a esquerda tem sei lá outros quantos por cento, e o pessoal do centro vai decidir quem vai ganhar se é a direita ou a esquerda. Com Bolsonaro, a direita ganhou em 2018, e a esquerda ganhou em 2022. Em 2026 não sabemos. Vai depender do governo Lula. Mas, cristalizou a rejeição, a política de ódio. Eu gosto de andar com minha camiseta vermelha, boné vermelho, boné da CUT, do MST, e em certos lugares, não posso andar. Outro dia eu estava andando aqui perto de um shopping de Campo Grande e fui xingado por uma pessoa numa caminhonete. Em alguns lugares, você não pode andar, porque você vira alvo, leva tiro. Juro! Quantos aí não morreram? Teve lá o caso em Foz do Iguaçu. Imagine: morte! Por você ter posição política. E, nós, esse ano somos vitoriosos, a esquerda. De 18 a 22 foi a direita. Então, é realmente um episódio, assim, muito, muito grande.

Giovanni Dorival: Como você avalia as últimas eleições presidenciais?

Orlando Silvestre: Eu passo para você em números. Bolsonaro ganhou em 2018 e só o Lula ganharia dele. Como o Lula ganhou? Por que que Bolsonaro estava convicto de que iria ganhar? Porque o Bolsonaro aumentou alguns milhões de votos em relação a 2018. E mesmo assim, ele perdeu. O nordeste foi fundamental para a eleição de Lula. Só que, em relação a 2018, o Bolsonaro recuperou 3 milhões de votos sobre o Lula, lá. Olha só. Não foi o nordeste que deu vitória para o Lula. O Bolsonaro ganhou lá mais 3 milhões. O Bolsonaro perdeu mais no centro-sul, mais em São Paulo na questão de diminuição de votos. Poucos sabem que o Bolsonaro em relação a 2018 aumentou seus votos. Três milhões. Segundo: quando foi para o segundo turno. De 12 milhões de votos, o senhor Bolsonaro conseguiu capitar mais 9 milhões de votos. Estou falando em números redondos para a pessoa entender. E o Lula, só 3 milhões de votos. E da onde veio esses 3 milhões de votos, da Simone, do MDB, mais raiz. Se a Simone apoiasse o Bolsonaro, o Lula perderia. Imagine de 12 milhões que se abriu para a disputa do segundo turno, entre os votos que não eram nem Lula, nem Bolsonaro, fora as divisões pequenas internas, 9 milhões foram para o Bolsonaro, então ele tinha a certeza de que iria ganhar. Foi a disputa mais acirrada que eu já vi.

Giovanni Dorival: Boulos! Como foi voltar seu olhar para ele no meio do Sindicato dos Técnicos Industriais do Estado de São Paulo?

Orlando Silvestre: Na verdade, eu fui para São Paulo, e lá tem esse grupo de Fintech que eu trabalho com eles. Fintechs bem consolidadas. Aí lá o povo queria trabalhar na política, apoiando o Haddad. Perguntaram se eu conhecia beltrano e sicrano e eu disse que sim, porque já tinha feito Lula 1 e 2 e Dilma 1 e 2 e aí me chamaram para trabalhar na campanha do Haddad e Lula em São Paulo, que foi onde ganhou a eleição. Quando eu cheguei lá, os caras até tiravam sarro de mim, porque o MS era o estado em que o Bolsonaro mais abria vantagem, então eles diziam que eu tinha ido para lá para escapar de passar vergonha, mas eu fui para São Paulo por causa dos meus filhos que gostam de futebol e show. E, então nós fizemos uma análise, e o Boulos, com o PSOL, pegou a coordenação como partido aliado. Mas, já antes o povo comentava que ele seria o futuro Lula, e na verdade, o PT é engessado. Então na perspectiva de que o Boulos é o futuro Lula e o PSOL ainda está aceitando que as pessoas gravitem em torno e se faça uma nova história partidária, eu resolvi migrar para o PSOL e para o Boulos. Porque há um acordo de que o PT irá apoiar o PSOL em São Paulo. Eu já falei com o pessoal de entorno ao Boulos, com quem ainda não tenho muita aproximação, que acredito que o PT não irá cumprir o acordo. Até porque a gente vê nas mídias a movimentação.

Giovanni Dorival: Porque o PT pode não cumprir o acordo?

Orlando Silvestre: O PT já propôs ao Boulos que vá para o partido. E o PT já elegeu a Heloísa Erundina, Marta Suplicy, elegeu o Haddad. O PT já sabe como eleger prefeito no terceiro maior orçamento do Brasil que é a prefeitura do Estado de São Paulo. Mais que o governo do Rio, de Minas Gerais, menos que o governo de São Paulo e menos que o governo Federal, é o terceiro governo orçamentário do Brasil, o governo da Prefeitura do Estado de São Paulo. O PT já elegeu 3 prefeitos. O PSOL não elegeu praticamente ninguém. Então eu acho que o PT não vai cumprir o acordo. Essa é a minha opinião. Mas, em todo caso, vou fazer umas estratégias junto ao PSOL. Aqui no estado, só tem uma prefeitura em Ribas do Rio Pardo, que é um prefeito que tentou 4 vezes e conseguiu se eleger na 5ª. Até onde sei, na Câmara dos Vereadores de Ribas só tem 1 vereador. Então o prefeito sofre para caramba. Cinco campanhas de impeachment. E vai para a reeleição.

Giovanni Dorival: Anteriormente, você citou o Fernando Collor como um dos políticos que ajudou a eleger. Se arrependeu de ter eleito algum?

Orlando Silvestre: É necessário colocar aí dois contextos: o primeiro que eu já era ludista há 8 anos, e era pela segunda vez que a gente administrava a capital sul-mato-grossense. Eu, no capital político dele no partido, ele como prefeito. Tinha sido em 82 eleito, entrou em 83 e ficou até 85. Aí nos elegemos em 88 e foi até 92. Em 89, o senhor Francisco Maia, vereador da Câmara de Campo Grande. Um na época, que o pessoal sinalizava como herdeiro político do Lúdio porque a irmã dele era casada com o Edermazinho Costa, um dos sobrinhos preferidos do Lúdio, então ele estava com tudo. Ai o senhor Francisco Maia, conseguiu que o Lúdio apoiasse o Collor que tinha 1% de intenção de votos nas eleições. O Lúdio me chamou, disse: ‘o meu guerrilheiro, tem um pedido aí do Maia, ele vai vir com o Collor aqui, e o Pedro Pedrossian vai apoiar o Collor também. Então, nós ficamos de indicar cada um. O Pedro vai indicar o Denas Lugo, muito meu amigo, e eu vou indicar você. Você aceita essa missão? ’, falei, ‘aceito’. Então eu peguei o Collor porque eu era ludista. E depois ele se elegeu. Foi quando eu conheci o Chico Santa Rita que morreu mês passado, ou esse mês. Uma tristeza. Ele começou com o Collor aqui, depois elegeu o Pedrossian, o Puccinelli, governador várias vezes e todos os prefeitos, deputados e senadores que o Puccinelli quis eleger. Foi o Chico Santa Rita que, em 89, era o coordenador, marqueteiro do senhor Collor, com quem trabalhei. Então foi assim, a questão é ser ludista, também fiz campanha do Pedro, mas sou ludista. Não arrependi em nenhum momento. É processo histórico. Em 89 fiz campanha.

Giovanni Dorival: Você mantém um olhar crítico para esses candidatos que elegeu distinguindo ações boas de ruins em seus mandatos?

Orlando Silvestre: Não, meu negócio era diretório. Era controlar os diretórios acadêmicos, diretórios políticos, estadual e municipal. Ter a maioria nas convenções. Era controle dos diretórios para quem quiser, não com dinheiro, mas com negociação política, para indicar os seus prefeitos. Mesmo sendo ludista, o meu grupo era a maioria nos diretórios que a gente trabalhou com o Lúdio. E, depois, eu sigo a linha do Santa Rita, eu faço campanha, não faço governo.

Giovanni Dorival: Em todos esses anos, chegou a assumir quantos cargos?

Orlando Silvestre: Tirando Porto Murtinho, onde fui ser secretário municipal, nenhuma das campanhas de que participei, aceitei cargo no governo. Até porque eu fui nomeado por cinco governadores durante 20 anos para o Conselho Estadual do Desporto, que era o que eu queria. Eu fui conselheiro. E eles sempre me reconduziam. Fui eleito pelas federações, entrei no Conselho, e a partir daí os governadores começaram a me nomear. Eu fiquei no Conselho nesses 20 anos e 6 anos eu fui presidente do Conselho Estadual do Desporto que era o cargo que eu queria. Eu já tinha cargo estadual, e vim de um cargo federal, que era assessor do Reitor.

Giovanni Dorival: E o caso do escândalo sobre os cargos?

Orlando Silvestre: Eu fui ser secretário municipal em Porto Murtinho. Um jornal aqui, resolveu pegar no meu pé. Aí, ligaram lá para o escritório do senador Lúdio Coelho querendo saber se eu fazia parte do escritório dele. Responderam que sim, o cara anotou ‘assessor do senador’. Aí, ligou para a reitoria: ‘oi, aqui é o repórter tal, do jornal tal. Uma pergunta, é o seguinte. O senhor Orlando Silvestre é’. ‘Não, aqui é o professor, Orlando’. ‘O professor Orlando Silvestre é da assessoria do reitor?’ A reitoria falou ‘sim. É assessor do reitor’. Aí ligaram para Porto Murtinho, para a prefeitura, para a Assecon[v] e falou ‘olá, aqui é jornal tal, jornalista tal. O senhor Orlando Silvestre é secretário municipal aí?’ ‘É. De duas, três pastas ainda’. Na verdade, eu fui de cinco pastas. Aí saiu uma página de capa.

Giovanni Dorival: Denunciando que você ocupava vários cargos.

Orlando Silvestre: Você sabe que a constituição não permite acumular em cargos públicos, só é permitido para professor e médico. Mas, você não pode ter dois cargos em mais de uma instancia. Ou se tem para municipal, ou estadual ou federal. Aí saiu ‘cara ocupa cargo federal, estadual e municipal ao mesmo tempo’. Aquele escândalo. A minha foto de procurado lá na capa do jornal. O cargo que eu tinha no Lúdio era assessor partidário, imagine, eu tinha sala no escritório do senador tudo, como eu iria ser assessor, né. Só que o povo não sabia que eu tinha cargo no partido, porque eu era do mesmo diretório, na época o PTB. Então eram cargos partidários municipal e estadual, era tesoureiro e tal. Essa era a minha tradição com o Lúdio. O cargo do Conselho, era um cargo de representação de setores, eu representava as federações. Não era funcionário do estado, tinha matrícula, mas não era funcionário do estado. Tinha matrícula por causa de questão de pró-labore, mas o cargo que eu exercia, mesmo, era o de secretário municipal de Porto Murtinho. Até hoje eu faço campanhas, coordenações, consultorias, mas não tenho interesse em participar de governo. Meu negócio é ser contrato, fazer adesão.

Giovanni Dorival: Mas, e quanto aos famosos acordos eleitorais?

Orlando Silvestre: Eu ficava puto porque, hoje tem que ter a tal maioria e o cara vai lá e dá cargo. Vou dar um exemplo: no meu bairro, lá em Três Lagoas, Vila Nova. O cara me ajuda a eleger o prefeito, aí o prefeito faz composição para ter maioria na Câmara e dá um cargo para o cara que fez campanha contra ele lá na Vila Nova, em Três Lagoas. Eu fico puto. O cara que ajudou ele, eu não consigo nomear. E o cara que foi contra nós, fez campanha contra nós, foi por canalhice. Eu digo ‘pô! Você tem que nomear quem te apoiou’! Ah, mas tem que ter maioria contra a oposição. Aí o cara que fez campanha contra ele, pega cargo na prefeitura, e o cara que ajudou, trabalhou por ele, não pega. Então começa por aí o problema. Geralmente o cara ganha, e já começa a situação de não cumprir os acordos políticos, inclusive, dando cargo para inimigos que fez campanha contra o cara. Eu se fosse eleito, eu nunca daria cargo para alguém que fez campanha contra mim. Mas, o meu negócio é campanha, e não ter cargos.

Giovanni Dorival: Existe uma esquerda e uma direita definidas e presentes no estado?

Orlando Silvestre: Sim. Foi quando o Lúdio abriu em 82 algumas vagas para a direita, maçonaria, exército e igreja conservadora; e, aí o PCbão e outros segmentos que pensa de esquerda, indicaram umas pessoas para entrar no governo, isso há 40 anos atrás. Mas, antes, a Coluna Prestes[vi] passou por aqui. Meu pai era melancia, verde por fora, vermelho por dentro. Filho de artista italiano, de 1950. A história aqui, é longa. O Apolônio de Carvalho que tem o Centro Cultural no seu nome é sul-mato-grossense e fez uma carreira grande aí nos movimentos de esquerda. Aqui sempre teve, desde lá atrás, a esquerda e a direita. É que a nova juventude que não consegue distinguir o que é esquerda e o que é direita. Isso é uma outra situação.

Giovanni Dorival: O agro, no estado é totalmente voltado para a direita?

Orlando Silvestre: O problema é o seguinte. Vamos falar no agro. A Fazenda Itamarati produz para caramba. A nível nacional, o MST é o maior produtor de arroz orgânico, então a agricultura familiar é em maioria de pequenos produtores com viés para a esquerda. A questão é que os grandes ruralistas que dominam a Famasul, os sindicatos rurais, as associações de semente e de soja são de direita desde o bisavô deles. Então, tem de ver que agro que é. Quais linhas de frigoríficos que são. Os grandes são todos de direita. Algumas cooperativas têm influências de colonizadores italianos, alemães, belgas de outros países que tem uma tendência que, aqui, é considerado da esquerda. Mas, os tradicionalistas mesmo, os botinudos e chapeludos são de direita.

Giovanni Dorival: Entendi. Durante todo esse tempo envolvido com a política você abandonou o desporto e a cultura?

Orlando Silvestre: Olha. Da universidade, eu fazia cultura, esporte e foi onde comecei a mexer mais com xadrez. Na universidade eu fazia mais com o esporte, não entendia que fazer poesias para a namorada também era cultura. Fui presidente da Federação Universitária, fui nos jogos brasileiros, já tinha ido no JEB, Jogos dos Estudantes Brasileiros, fui candidato a secretário geral da CBDU [vii]que faz as olimpíadas e os jogos universitários. Na cultura, fui presidente da UBE-MS[viii], fui coordenador do MEI, Movimento dos Estudantes Independentes, fizemos uma grande coletânea em 82. Foi um grande trabalho. Como presidente da UBE-MS, fiz a noite da poesia. Colaborei e presidi. Depois, comecei a fazer o Manoel de Barros na 7ª Noite de Poesias, nós homenageamos o poeta Manoel de Barros, fomos recebidos na casa dele. Então eu sempre tive em atividades políticas, culturais e esportivas. No futebol, joguei bastante tempo no Operário, aí fui diretor do Operário, conselheiro, candidato a presidente, perdi. Fui para Federação. Fiquei 20 anos, sai agora em 2017. Fiquei envolvido com futebol com os dirigentes, hoje.

Orlando é frequentador assíduo das partidas de futebol do Estado. Inclusive, foi diretor do Operário Futebol Clube e esteve a frente das articulações do futebol profissional e amador. Reprodução/Redes Sociais.

Orlando Silvestre: Sempre com essas três áreas de atuação.

Giovanni Dorival: Sempre atuei nessas três linhas. A cada dois anos, em campanha eleitoral, nesse interim, bastante cultura, bastante esporte. Uma época, quando eu fui do conselho, peguei algumas federações. Fui presidente da Federação de Ciclismo também, fiquei um período como presidente provisório da Fundação de Atletismo. Teve uma época em que estava muito atarefado com eleições políticas, campanhas políticas e com o esporte e deixei um pouco a cultura e migrei para o ativismo cultural digital, fui fazer o Manoel de Barros no Twitter e no Facebook e me envolvi com várias causas da cultura. Lá em São Paulo, com meus filhos, eu impus que sempre teríamos uma atividade cultural com o pessoal, porque lá de segunda a segunda sempre tem um show, uma exposição, uma galeria, debates, cursos. Então rodamos muito nesses espaços por lá e o pessoal gostou. E, no esporte consegui o grande feito de ser pódio representando a AABB daqui num grande clube em São Paulo, jogando com meia idade, beirando 65 anos.

Após 35 anos, Orlando conseguiu o primeiro pódio em SP no Clube de Xadrez de São Paulo. Reprodução/ Redes Sociais

Giovanni Dorival: O que falta no estado para ter uma cultura artística e um desporto mais forte?

Orlando Silvestre: Hoje, tanto a cultura, como o esporte precisam de dinheiro. Futebol profissional, principalmente, é dinheiro. A matriz econômica nós temos e cada vez o per capita, IDH[ix] e PIB[x] nosso está subindo, então, a matriz econômica nós temos. É necessário incentivo à cultura e ao esporte, pelos pais. Não o governo. O papel do governo não é tudo. Seja no âmbito estadual, municipal ou federal, é uma questão cultural mesmo. Mas, eu que viajo muito no Brasil, vejo que temos tudo, nós temos a miscigenação, temos a cultura espanhola, paraguaia, nordestina, japonesa, árabes de várias matrizes, e essa miscigenação aqui.

Orlando é ativista do Toro Candil, importante movimento cultural da fronteira Brasil/Paraguai. Reprodução/ Redes Sociais.

Giovanni Dorival: Você tem acompanhado os debates da Lei Paulo Gustavo. Existe alguma evolução?

Orlando Silvestre: Eu vi o pessoal na escuta da Lei Paulo Gustavo, na Fundação de Cultura falando de tripartite. Uma construção aí de 40 anos. Quando entrei no CRD[xi], a Lei do Esporte era da época do Getúlio Vargas, ai veio a Lei Pelé, Lei Zico, o estatuto do torcedor, esses dias saiu o regimento Geral do Esporte. É uma evolução de 80 anos. Então a cultura em 4 ou 5 anos, não irá conseguir fazer, precisa de décadas, 40 a 60 anos na saúde, 60 a 80 anos no esporte. E ainda teve a lacuna para reconhecer a capoeira e o berimbau como símbolo do estado novo. Na época a gente era um estado novo. Então, tem muita coisa a ser feito. Agora, são questões de décadas. Riqueza e população nós temos, agora tem de ser plantada inteligentemente a semente tanto do esporte de auto rendimento e a cultura. Uma cultura comercial, prática, representativa. Não sei se você lembra em 2004, o governo comprando samba enredo por 1 milhão para falar do Mato Grosso do Sul. Era legal. Hoje, o samba enredo custa dez, quinze milhões conforme for. E muita escola nem está vendendo mais. E o governo foi muito criticado. Eu achei, uma grande sacada de marketing que o estado não se apoiou, os poderes e a própria população. Tudo é uma cultura e vamos levar décadas para ter essa identidade, essa cultura na concepção da palavra.

Giovanni Dorival: Ok. De onde veio e quem é esse articulador político chamado Orlando Silvestre?

Orlando Silvestre: Eu sou um brasileiro nascido em Porto Murtinho, filho de um militar brasileiro que chegou que chegou ao cargo de major, quando saiu do exército, um posto acima. Não quis fazer estado maior. E de uma paraguaia. Açucena, 100% paraguaia. E a política entrou na minha vida, assim como o esporte. Sou desportista até hoje, ainda comemorando esse grande feito no xadrez, beirando os 65 anos. E a cultura, que eu sempre gostei de me alimentar e frequentar museus. De vez em quando, eu levava a excursão do xadrez. Quando fui presidente da diretoria na Federação de Xadrez durante 30 anos, sempre programava para uma passada em um museu, no meio do caminho. As minhas delegações esportivas sabem que eu sempre colocava um ou mais museus na ida e na volta para que tivessem a oportunidade de conviver com a cultura.

Giovanni Dorival: Está certo. Muito obrigado!

Orlando Silvestre: Obrigado.

Orlando é consultor na Rota Bioceânica e por isso, viaja toda a América Latina para eventos e encontros diplomáticos. Na imagem, está com o Ministro das Relações Exteriores da República do Paraguai, Luís Alberto Castiglioni e o presidente da Unión Industrial Paraguaya, Gustavo Volpe. Reprodução / Redes Sociais.

[i] O Grupo Teatral Amador campo-grandense (Gutac), mais tarde rebatizado como Instituto de Educação e Cultura Conceição Freitas (Inecon), foi criado por Cristina Mato Grosso em 1971. O Gutac já ganhou vários prêmios de teatro como o prêmio Funarte-Petrobras (Montagem Cênica), com a peça “Balada de Amor no Sertão.

[ii] Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sintetizada atualmente como UFMS.

[iii] O Estado de Maracaju foi um governo paralelo que se instalou no Sul de Mato Grosso e que em nenhum momento este foi citado em documentos oficiais e informativos no período do movimento separatista.

[iv] Aliança Renovadora Nacional (ARENA): Partido político de âmbito nacional, de apoio ao governo ditatorial, fundado em 4 de abril de 1966 dentro do sistema de bipartidarismo

[v] Assessoria de Contabilidade do município.

[vi] Também conhecida como Coluna Miguel Costa-Prestes, a Coluna foi um movimento revoltoso organizado por tenentistas que percorreu o Brasil entre 1925 e 1927.

[vii] Confederação Brasileira do Desporto Universitário: é a entidade máxima responsável pela administração do desporto universitário no Brasil.

[viii] União Brasileira dos Estudantes

[ix] Índice de Desenvolvimento Humano: é uma unidade de medida utilizada para aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade nos quesitos de educação, saúde e renda

[x] Produto Interno Bruto: é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país, estado ou cidade, geralmente em um ano.

[xi] Conselho Regional de Desporto

 

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