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Aneel cria bandeira tarifária da escassez hídrica e conta de luz vai ficar ainda mais cara

A conta de luz vai ficar mais cara, mais uma vez. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Ministério de Minas e Energia anunciaram nesta terça-feira (31) a criação de uma nova bandeira tarifária, chamada de bandeira de escassez hídrica.

Essa bandeira está acima da bandeira vermelha patamar 2, que vigorou nos últimos meses e era até então a bandeira mais crítica adotada pela Aneel. A Aneel afirmou na reunião desta terça que as bandeiras são definidas olhando “doze meses para frente”, e creditou a criação da nova bandeira à crise hídrica brasileira e à necessidade de importar energia elétrica.

Com a bandeira de escassez hídrica, a cobrança extra passará para R$ 14,20 a partir deste setembro. O valor é aplicado a cada 100 quilowatts-hora consumidos (kWh), e valerá entre setembro deste ano e abril de 2022. A cobrança anterior, da bandeira vermelha patamar 2, era de R$ 9,49. É uma alta de 49,63% na cobrança extra. A Aneel estima que o impacto final na conta de luz será de 6,78%.

Todos os consumidores do mercado cativo das distribuidoras pagarão a nova cobrança. A exceção são os consumidores do estado de Roraima e os consumidores que usufruem da tarifa social, uma tarifa subsidiada que atinge 12 milhões de brasileiros.

O que são as bandeiras tarifárias?

A Aneel adota o sistema de bandeiras na conta de luz desde 2015, como forma de equilibrar os custos de produção de energia elétrica. As bandeiras indicam se as condições estão favoráveis para a geração de energia (bandeira verde) ou se existem custos adicionais (bandeira amarela e bandeiras vermelhas patamar 1 e 2).

Nas bandeiras amarela e vermelhas, existe uma cobrança adicional a cada 100 quilowatts-hora consumidos (kWh) na conta de luz dos consumidores pessoa física e pequenas empresas. Consumidores que estão no mercado livre de energia não participam do sistema de bandeiras.

O sistema de bandeiras ficou suspenso entre maio e novembro de 2020, como forma de aliviar o bolso dos consumidores durante a primeira onda da pandemia do novo coronavírus. Em dezembro de 2020, voltou a bandeira vermelha patamar 2 (uma tentativa de conter a inflação no ano de 2020). Entre janeiro e abril de 2021, a bandeira foi reduzida para a amarela. Em maio, foi a vez da bandeira vermelha patamar 1. Desde junho deste ano, o país adota a bandeira vermelha patamar 2.

Não apenas a bandeira ficou mais crítica, mas a cobrança extra também subiu. Na bandeira vermelha patamar 2, a cobrança era de R$ 4,50 a cada 100 kWh consumidos em 2016. O preço foi aumentando até bater os R$ 9,49 em julho deste ano. Como vimos, a cobrança passou para R$ 14,20 nesta terça-feira, com a instituição do novo patamar de bandeira de escassez hídrica.

André Braz, economista e coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que o combustível e a energia elétrica serão componentes que ocuparão maior espaço na inflação em 2021. Apenas em agosto deste ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), considerado uma prévia da inflação oficial do país, avançou 0,89% ante julho – acima da alta de 0,82% esperada por economistas consultados pela Refinitiv e o maior resultado para um mês de agosto desde 2002.

Apenas a energia elétrica teve aumento de 5% no mesmo mês, crescimento 5,6 vezes maior do que a inflação geral. “A energia elétrica subiu 20% em 12 meses, sem contar essa nova decisão da Aneel”, diz Braz. Segundo o economista, a energia elétrica compromete cerca de 4,6% do orçamento familiar. Nas famílias mais pobres, o comprometimento de renda é de 6,5% a 7%.

Por que a conta está cada vez mais cara?

Especialistas estimavam que o aumento anunciado pela Aneel deixaria a cobrança extra em um intervalo entre R$ 11 a R$ 20 a cada 100 kWh consumidos. Já a própria Aneel propunha um cenário limite de R$ 25.

As bandeiras e as cobranças extras são uma forma de compensar os custos de produção da energia elétrica, que aumentaram nos últimos tempos. Pedro Rio, cofundador da startup do mercado livre de energia Clarke, explica que o apagão pelo qual o país passou em 2001 fez com que usinas termelétricas fossem criadas como fontes de reserva energética. “As termelétricas evitam a perda do fornecimento no caso de uma seca, mas produzem uma energia mais cara e poluente. As bandeiras tarifárias aproximam o custo marginal de operação com o custo de venda”, diz o empreendedor.

O país enfrenta sua pior estiagem dos últimos 91 anos, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Essa crise hídrica forçou a adoção de termelétricas, que produzem uma energia mais cara e mais poluente do que  hidrelétricas. O Brasil também teve de aumentar sua importação de energia de países vizinhos, alternativa mais cara do que a produção nacional.

“Tanto nas termelétricas quanto na importação, o megawatt custa mais de R$ 2 mil. Em comparação, o megawatt no mercado regulado de energia costuma custar R$ 400 em tarifa de energia. As distribuidoras assumem parte desse prejuízo, e outra parte é repassada por meio das bandeiras”, diz Rio. “Isso porque hoje o nosso consumo ainda não está em níveis pré-pandemia. Se estivesse, teríamos risco de um novo apagão.”

Como a conta de luz deve ficar no futuro?

Tudo indica que a conta de luz deverá continuar pressionando o IPCA-15 nos próximos meses. Tanto Braz quanto Rio estimam que a pressão se estenda pelo resto deste ano e contamine 2022. A própria Aneel confirmou essa análise, com a bandeira de escassez hídrica indo até abril de 2022.

“Vai começar um aumento gradual de chuvas nos próximos meses, mas é preciso chover perto dos reservatórios para que a produção de energia fique mais barata”, diz Braz. “No mercado livre de energia vemos preços que refletem a demanda de curto prazo. Vemos preços acima dos vistos no mercado regulado, algo incomum, para todo o ano de 2022. Não vemos uma luz no final do túnel enquanto não houver impacto das chuvas”, concorda Rio.

O que consumidores, empresas e o governo podem fazer?

Consumidores pessoas físicas e pessoas jurídicas de pequeno porte têm pouco a fazer: é preciso reduzir o consumo. “Temos de nos conscientizar de que água e energia são recursos escassos, e que os investimentos não têm a mesma velocidade do esgotamento desses recursos”, diz Braz.

Outra saída são políticas públicas de alívio financeiro. “Essa é uma medida que ajuda na disciplina das pessoas. Apenas pedir economia não é suficiente”, analisa o economista.

Também nesta terça-feira, a Aneel anunciou um programa de incentivo à redução voluntária do consumo. O programa tem uma meta de 15% de redução no consumo, com um mínimo de 10%. Haverá um prêmio ao consumidor regulado, com abatimento de R$ 50 por 100 kWh reduzidos, até um limite de 20% de redução. O programa irá de setembro até dezembro de 2021.

A Aneel fez uma simulação: uma pessoa que consumia 100 kWh no mês pagava R$ 64 quando vigorava a bandeira vermelha patamar 2. Com a bandeira de escassez hídrica, essa mesma conta subirá para R$ 74. Se essa pessoa agora consumir 80 kWh, terá uma redução de 20% em seu consumo. O valor cairá de R$ 74 para R$ 59 sem nenhum bônus. Com o programa de incentivo, há um bônus de R$ 10 e a conta cai para R$ 49.

Mais uma alternativa é a transição para o mercado livre de energia, fora do universo de consumidores regulados. Estabelecimentos com contas de luz que superam os R$ 100 mil mensais podem comprar energias convencionais e renováveis em um mercado com contratos menores e pautados em oferta e demanda. No caso de compra exclusiva de fontes renováveis, a conta mensal pode partir de R$ 10 mil.

“Existem projetos de lei que querem levar esse mercado para consumidores menores, mas essa é a categoria beneficiada pela transição por enquanto. Na energia incentivada [exclusiva de fontes renováveis], a média é de R$ 285 a cada 100 kWh consumidos, ante os cerca de R$ 400 do mercado regulado. Lembrando que não existe o sistema de bandeiras no mercado livre de energia”, diz Rio.

Já o governo deveria intensificar o trabalho de diversificação das fontes energéticas. Braz e Rio concordam que a energia eólica e a solar cresceram sua participação desde a crise energética brasileira de 2001 – mas que essas fatias ainda estão longe das ideais.

“Tivemos bons movimentos de modernização da energia no país nos últimos dez anos, ainda que lentos. Multiplicamos nossa capacidade de energia eólica e solar, e também criamos termelétricas como uma fonte segura de energia, mas cara e poluente. A solução é continuar investindo em energia eólica e solar e ir substituindo a energia térmica por energia de biomassa. É uma fonte renovável mas firme, que permite acionamento automático em caso de secas”, diz Rio.

“Devemos pensar gradualmente em maior investimento em matrizes energéticas, com uma agenda que não seja interrompida dependendo do governo vigente. Podemos explorar a exposição solar enorme da América Latina, e aproveitarmos nosso litoral para a energia eólica. Temos conhecimento e tecnologia suficientes para aproveitar mais tais recursos e, como consequência, baratear os custos da energia. Todo país precisa de eletricidade para continuar crescendo, e as fontes renováveis permitem que esse crescimento seja mais sustentável”, completa Braz.

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