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Thiago Asato e as expectativas e interações turísticas na Bioceânica MS

Professor e empresário fala sobre novas relações de economia e cultura a partir da integração fronteiriça em MS

Graduado em Turismo, especialista em MBA Executivo, Gestão Estratégica e Econômica de Negócios; mestre e doutor em Desenvolvimento Local, pela Universidade Católica Dom Bosco, o empresário Thiago Andrade Asato de 43 anos, iniciou sua formação acadêmica em 2003 abordando diversas questões referentes ao turismo nos setores culturais e ambientais do estado.

Em 2021, voltou-se para a implementação e as possibilidades resultantes da Rota Bioceânica, corredor rodoviário que pretende integrar Brasil, Paraguai, Argentina e Chile com acesso ao Pacífico, pelos portos chinelos, e ao Atlântico, a partir dos portos brasileiros, com impactos para o bioma, a cultura e a economia de comunidades e cidades sul-mato-grossenses que farão parte da Rota.

Na entrevista desta semana, Thiago que, além de professor universitário está a frente da empresa familiar “Dom Alfredo: Empadas argentinas e mais” fala um pouco sobre as possibilidades turísticas e as possíveis consequências do intercâmbio pela Bioceânica no Mato Grosso do Sul.

Giovanni Dorival: Olá, Thiago! Tudo bem com você?

Thiago Asato: Olá. Tudo!

Giovanni Dorival: Podemos fazer nossa entrevista?

Thiago Asato: Podemos sim.

Giovanni Dorival: Ok. De início, gostaria de abordar algumas informações pessoais. Você nasceu e cresceu aqui no estado?

Thiago Asato: Nasci em Assis, São Paulo; mas ainda bebê mudei para MS onde morei em meio rural, na Fazenda Campanário, próximo a cidade de Caarapó, até os 10 anos. Com 10 anos, mudei para Dourados onde estudei o ensino médio, finalizando o último ano do ensino médio nos EUA, na Califórnia. Fiquei um ano nos EUA e retornei ao Brasil para Campo Grande, onde me formei em Turismo, em 2002, e sigo na capital do estado até hoje.

Giovanni Dorival: Portanto. Um sul-mato-grossense!

Thiago Asato: Exatamente. Só nasci em SP e já vim ao estado com 2 meses de idade.

Giovanni Dorival: Está casado com a Mari desde 2018. Hoje vocês têm um filhinho?

O empresário e professor de turismo ao lado da esposa Mari e do filho Daniel. Foto: Arquivo Pessoal

Thiago Asato: Exato. Temos um filho de 3 anos.

Giovanni Dorival: Ao longo de sua carreira acadêmica na área de turismo, você tem produzido artigos sobre a Rota Bioceânica. Qual a importância desse projeto? E, por que o interesse?

Thiago Asato: A ideia inicial do Doutorado era dar aprofundamento no projeto que havia defendido no Mestrado em Desenvolvimento Local, sobre Planejamento Sucessório e Governança Corporativa em Empresas Familiares. Ocorre que em 2017, meu primeiro ano no Doutorado em Desenvolvimento Local, surgiu o convite do então orientador, Michel Constantino, para pesquisar sobre a Rota Bioceânica, em função de que dos 20 doutorandos, eu era o único com formação em Turismo. E por ser uma rota com ares de ineditismo, pois não temos de fato rotas de turismo consolidadas entre países sul-americanos, eu aceitei o desafio.

Giovanni Dorival: Compreendo. Você aborda, dentro de alguns tratados, os possíveis impactos da Bioceânica nas regiões onde ela passará. Entre esses impactos, uma preocupação com o turismo sexual. Pode falar um pouco sobre esse tema?

Thiago Asato: Sim, impacto é uma palavra que pode ter tanta conexão com uma situação positiva quanto negativa. O fato de uma grande obra, que é o caso da ponte binacional, estima-se mão-de-obra em determinado nível da construção com cerca de 800 operários, em uma cidade com pouco mais de 16 mil habitantes, então gera uma preocupação com a população local e para com os próprios visitantes, já que Porto Murtinho ficou conhecida pelo turismo de pesca, onde recebe um público mais masculino. Acredito que medidas têm sido feitas principalmente de conscientização e de orientações de como denunciar. Eu mesmo participei de um Workshop na cidade em 2019 e a Fundação de Turismo do Estado esteve palestrando sobre o referido tema.

Giovanni Dorival: Compreendi. Você também fala sobre a necessidade de haver uma educação especifica para as localidades implicadas na Rota. Que tipo de educação e disciplinas são necessárias?

Thiago Asato: A educação é a melhor forma de combater vieses inconscientes. Penso que principalmente nas cidades de fronteira, que devem ser as que mais vão crescer em termos populacionais e relacionais, deve-se estimular a título de exemplo, matérias como turismo de base comunitária e empreendedorismo. O próprio turismo científico, no âmbito das faculdades, deve crescer muito a partir da construção da ponte.

Giovanni Dorival: Seria necessário que as escolas do estado voltassem a investir no espanhol e tivessem disciplinas sobre as culturas dos países vizinhos envolvidos?

Thiago Asato: Sim, inclusive a Prefeitura de Campo Grande já tomou uma iniciativa de capacitação. Não nas escolas, mas para pessoas de 15 a 29 anos com oferta de cursos, entre eles, o de espanhol, oratória e atendimento ao turista. A colônia paraguaia também está oferecendo cursos gratuitos em espanhol.

Giovanni Dorival: O que seria a economia criativa dentro do contexto da Bioceânica?

Thiago Asato: A economia criativa abarca conceitualmente princípios de inovação, criatividade, inclusão e diversidade. Penso que há muitas oportunidades dentro da Rota, a começar pelas cidades de fronteira. Porto Murtinho têm vivido isso. Há espaço amplo para o empreendedorismo, o turismo cultural, inclusive para parcerias binacionais.

Thiago durante última roda de bate-papo sobre Turismo na Rota Bioceânica com estudantes e coordenadores dos cursos de Turismo da UEMS e UFMS em Campo Grande. Foto: Arquivo pessoal

Giovanni Dorival: Quais os caminhos para se estabelecer esse tipo de economia criativa?

Thiago Asato: O SEBRAE é uma instituição parceira nesse sentido, a própria rede universitária. O poder público também, como o caso citado da prefeitura de Campo Grande. Porto Murtinho, por exemplo, está começando a receber franquias na cidade, como o caso da My Cookies. Há muito espaço para a economia criativa nessa cidade, por ser o portal de entrada no Brasil dos outros países que compõem a rota. Haverá necessidades, a título de exemplo, de casas de câmbio, agências de viagens, entretenimento noturno, novos meios de hospedagem, e o próprio comércio da cidade, que sentirá esse crescimento no médio prazo. Penso que uma mudança cultural a partir da construção da ponte será o horário estendido do comércio.

Giovanni Dorival: Entendo. E, quanto as comunidades de aldeia? Você acredita que o contexto de economia criativa da Rota pode ter espaço para os artesanatos dos povos originários como indústria criativa?

Thiago Asato: Sem dúvida. Em Carmelo Peralta, cidade de fronteira molhada com Porto Murtinho há a previsão de construção de um museu com espaço para a comercialização do artesanato indígena.

Giovanni Dorival: Que legal! Do lado brasileiro, existe algo parecido?

Thiago Asato: Não que eu tenha conhecimento, mas espera-se que as regiões de fronteira sejam tratadas como macrorregiões, ou seja, haverá uma dependência de uma sobre a outra, inclusive na parceria para comercialização. Será mais fácil vender um pernoite em Porto Murtinho entendendo que haverá espaço para fazer passeios dos dois lados do Rio Paraguai. Leia-se 2 países.

Giovanni Dorival: Compreendi. Que outras especificidades econômicas locais podem ser indústria criativa dentro da Rota?

Thiago Asato: Gestão da saúde e pontos de apoio ao longo do percurso, bem como internet de qualidade, que é um desafio. Se a Rota quiser atingir os nativos digitais terá que inserir pontos de apoio com internet de qualidade. É só imaginar uma família que quer fazer o roteiro todo viajando de carro. É preciso que haja pontos de apoio como oficinas especializadas, espaços gastronômicos, entretenimento para crianças, variedade em meios de hospedagem, sinalização adequada, ampliação de redes de saúde, dentre outros.

Giovanni Dorival: Dentro dos aspectos negativos da Rota, vemos organizações ambientais preocupadas com impactos no meio ambiente como a destruição de habitats, morticínio de animais silvestres, degradação de leitos afetando comunidades ribeirinhas e aldeias dos povos originários. Como você enxerga essas questões?

Thiago Asato: Sim, há uma preocupação justa sobre esses aspectos. O Chaco[i], no Paraguai, é um território inexplorado, e com a nova rodovia, vai ter toda uma exposição. Penso que pedágios com parte dos valores revertidos para cuidados com fauna e flora devem ser avaliados. Audiências públicas e capacitações gratuitas, como a já citada da Prefeitura de Campo Grande, devem servir de exemplo para as outras cidades que compõem a Rota.

Paisagem no Chaco Paraguaio. Foto: Lucas Olivera

Giovanni Dorival: Parece uma boa saída. Dentro do intercâmbio cultural, como a Rota poderia ser favorável a valorização da cultura sul-mato-grossense?

Thiago Asato: Estive recentemente dando uma entrevista em uma rádio comunitária local, com integrantes da Colônia Paraguaia e foi exposto interesse em abertura de uma espécie de casa de cultura para fomentar espaço de cultura dos 4 países, por exemplo: todo sábado, feijoada, que remete ao Brasil; no domingo almoço dançante de cultura e culinária paraguaia, e assim por diante. Em relação especificamente a cultura sul-mato-grossense, nosso estado, e´ fruto de uma grande miscigenação e composto de mistura de culturas de várias pessoas de outros estados que escolheram MS para viver. Temos a Feira Central que compõe bastante da cultura oriental e do sobá; o Bioparque Pantanal que traz uma amostra da fauna da região, só para citar alguns. Por Campo Grande ser a principal capital mais próxima da Rota, penso que muitas iniciativas brotarão da capital. Novos corredores gastronômicos na cidade têm se fortalecido, como na Bom Pastor e iniciativas na “Cidade do Natal”, como no último fim de semana de maio em que foi realizado um Evento Gastronômico de Hambúrgueres Gourmet. Um Calendário Cultural dos Países da Rota, considerando de Campo Grande aos Portos Chilenos, deve ser mais enfatizado logo que a ponte estiver pronta.

Giovanni Dorival: Ok. Thiago, ao tratar da globalização, muitos autores denunciam a dissolução de culturas localizadas. Com o intercâmbio normatizado pela Rota, seria possível que as regiões em trocas de valores culturais acabem por dissolver entre si essas especificidades de cada região?

Thiago Asato: Penso que cultura é dinâmica e mutável. Os menonitas[ii] no Paraguai, por exemplo, mantém muito da sua cultura, como o amplo conhecimento do agro, mas já estão se aculturando de valores mais urbanos, como por exemplo frequentar salões de beleza fora da comunidade. Inclusive, essas colônias serão importantíssimas para receber estrangeiros de língua inglesa, já que têm domínio desse idioma.

Giovanni Dorival: Quais os aspectos turísticos que podem contribuir de forma positiva para o estado por meio da Bioceânica?

Thiago Asato: Vejo muitas possibilidades. Para as agências já consolidadas do estado, há possibilidades de parcerias mais sólidas com operadoras dos outros países, principalmente para o turismo receptivo e vice-versa. Além do mais, pode-se gerar uma orientação de venda para várias modalidades de turismo em uma única viagem: turismo cultural, ecoturismo, turismo de aventura e astro turismo, só para citar algumas. A questão da diversidade cultural será outro chamariz.

Giovanni Dorival: Bacana, Thiago. Que desafios ainda precisam ser superados para a implementação da Rota no estado?

Thiago Asato: Estamos na primeira fase do processo de construção de uma rota de turismo: a base de infraestrutura. O primeiro desafio é finalizar essa fase, ou seja, terminar a ponte binacional. A medida que a obra se aproximar de ficar pronta, será injetado uma confiança ainda maior nas pessoas, fato que se aproximará da segunda fase: a criação de mais negócios dentro da rota, iniciativa de parcerias e capacitação dos agentes envolvidos. A terceira fase é a comercialização.

Giovanni Dorival: Além dos aspectos turísticos, Thiago, quais os potenciais do estado para a Bioceânica?

De olho na Rota, Thiago investe em empanadas argentina. Foto: Arquivo Pessoal

Thiago Asato: Escoamento de grãos; importação e exportação de produtos; parcerias de toda ordem com os países vizinhos. No meu caso mesmo, temos uma Casa de Empanadas Argentinas em Campo Grande e certamente com a ponte pronta, haverá iniciativas facilitadoras na importação e exportação entre esses países. O benefício será mútuo.

Giovanni Dorival: Certo. O que você espera a partir do pleno funcionamento da Rota?

Thiago Asato: Possibilidade de muitas trocas comerciais, principalmente relacionado ao transporte de grãos e também na relação com espaço para franquias de marcas entre os países. No turismo, possibilidade de ampliação de meios de hospedagem, pessoas com domínio do idioma espanhol, fortalecimento da malha rodoviária e aérea, com mais integração não somente por via rodoviária, mas aérea também, e ainda a possibilidade comercial por vias ferroviárias, mas, não de transporte de pessoas.

Giovanni Dorival: E, como sul-mato-grossense, Thiago, que potenciais do estado você espera ver desenvolvidos e valorizados a partir da Rota?

Thiago Asato: Porto Murtinho deve ter um aumento populacional exponencial nos próximos 10 anos. Em 10 anos, cumprindo com a fase de infraestrutura e de capacitação, a comercialização da Rota pode trazer a consolidação de uma rota sul-americana, fazendo inveja há outras rotas como o Caminho de Santiago de Compostela[iii] e Rota 66 [iv](ainda que não seja uma rota entre países; mas é como se fosse pelo amplo distanciamento geográfico, já que passa por 5 estados norte-americanos). Pantanal e Bonito se consolidarão ainda mais como destinos indutores. Há ampla possibilidade de novos investimentos no estado como parques aquáticos; resorts e outras Indústrias, semelhantes à Suzano, em Ribas do Rio Pardo.

Giovanni Dorival: Excelentes perspectivas. Que reflexões o Thiago Asato pode deixar sobre a Rota Bioceânica para o estado?

Thiago palestrando no evento da Visit Argentina em abril de 2023 no Vermelho Grill. Foto: Arquivo Pessoal

Thiago Asato: Posso dizer que é um cenário de muitas oportunidades, desde que seguindo a governança pré-estabelecida: 1, criação da base de infraestrutura; 2, capacitação de pessoas e estabelecimento de parcerias; 3, Comercialização. Além disso, o respeito aos fatores ESG[v].

Giovanni Dorival: Quem é o sul-mato-grossense Thiago Andrade Asato?

Thiago Asato: Sou Professor e Representante Comercial, atuante no Turismo desde 2000. Tenho paixão pelos dois segmentos de atuação: lecionar e o seguro viagem. O slogan da empresa que represento é “cuidar de pessoas”. Tento levar esse mantra para minha vida: Cuidar de Pessoas e ser impecável com a palavra.

Giovanni Dorival: Muito bom, Thiago. Te agradeço imensamente pela disponibilidade.

Thiago Asato: Eu que agradeço.

 

 

 

 

 

 

 

 

Notas:

[i] Chaco ou Gran Chaco é uma região geográfica da América do Sul. Possui aproximadamente 1 280 000 quilômetros quadrados e abrange partes dos territórios da Bolívia, Argentina, Paraguai e Brasil.

[ii] Menonitas: comunidade cristã que têm suas raízes na Alemanha do século 16 e na Holanda. Eles são pacifistas, praticam o batismo de adultos e acreditam que devem viver uma vida simples e contribuem fortemente para a produção agrícola e leiteira do Paraguai.

[iii] Os Caminhos de Santiago são os percursos dos peregrinos que afluem a Santiago de Compostela desde o século IX para venerar as relíquias do apóstolo Santiago Maior, cujo suposto sepulcro se encontra na catedral de Santiago de Compostela.na Espanha.

[iv] A Rota 66 é uma rodovia estadunidense mais famosa do mundo. Foi estabelecida em 11 de novembro de 1926. Iniciava em Chicago, Illinois, passava pelos estados de Missouri, Kansas, Oklahoma, Texas, Novo México, Arizona e terminava na cidade de Santa Mónica.

[v] ESG é a sigla para Environmental, Social and Governance, cuja tradução é Ambiental, Social e Governança Empresarial. Os indicadores ESG são critérios de conduta praticados por empresas que querem ser socialmente conscientes, ambientalmente sustentáveis e corretamente gerenciadas.

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