Espedito Di Montebranco e o teatro de MS
Organizador Faz balanço Sobre Prêmio Campo Grande Ao Teatro, A Cena e o cenário artistico do Estado
Nascido em Bodocó, no interior de Pernambuco, Espedito Di Montebranco veio parar em Campo, MS, em meados de 1980 quando a mãe, dona Francisca, deu um basta na relação com o esposo agressivo. Morando de favor graças a generosidade de uma sul-mato-grossense da capital, Francisca e Espedito trabalharam arduamente. Enquanto Espedito fazia bicos como vendedor de picolé, coxinhas, carregador de malas, jornaleiro, engraxate, funileiro, auxiliar de pedreiro, e tapeceiro; dona Francisca trabalhava como faxineira no necrotério da Santa Casa. Assim, a família conseguiu o suficiente para alugar uma casa na periferia da capital.
Desde a passagem de sua família em Junqueirópolis, interior de São Paulo, o jovem Espedito acalentava o desejo de atuar junto aos ídolos Didi Mocó, Dedé, Mussum, Zacarias e cia, que mantinham o programa semanal Os Trapalhões na tevê Globo, sempre antes do Fantástico. Mas, foi na escola que encontrou o primeiro espaço dentro do teatro, desenvolvendo peças teatrais enquanto cursava a sexta série. Mais tarde, quando se tornou funcionário concursado da Secretaria de Obras, tornou-se amigo do poeta Aderoaldo Júnior, que o incentivou a escrever suas ideias e sentimentos. Criando poesias e crônicas, em 1984, Espedito ganhou o concurso Campo Grande, meu amor, daí para o teatro foi um pulo.
Encantado com peças de ruas, Espedito se aproximou dos grupos, oferecendo-se para carregar caixas e como auxiliar nas atividades. Era, então, um período de efervescência pela busca de uma identidade no novo estado de Mato Grosso do Sul, criado em 11 de outubro de 1977. “Lembro que existia realmente essa busca pela nossa identidade cultural e que hoje me parece acomodada. Creio que isso tem a ver com várias coisas. Naquele momento lutávamos por tudo, pela criação de leis de incentivo, fundos e etc… Conseguimos tudo isso”, declarou um crítico Expedito em entrevista para o livro-reportagem Belo Sul Mato Grosso: Um percurso sobre arte e cultura em MS[i], de 2021.
Em 1995, após vários ‘não’, conseguiu atenção ao anotar uma série de observações sobre a peça Noivo por Encomenda do Grupo Teatral Luz do Oriente, na qual seu amigo, Marcelo Mesquita que, ao lado de Marcos Alexandre de Mello, era responsável pelo grupo. Sua primeira empreitada, foi como sonoplasta da peça, e como o noivo escolhido pela personagem Ermelinda, que aparecia no final do espetáculo. Assim, Espedito conseguiu seu primeiro salário. Quinze reais em moedas por uma apresentação no teatro da escola Elite de Rede Ensino – Mace.
Envolvido com diversa produções e projetos no cinema e no teatro local, Espedito que acumula mais de 50 prêmios, concedeu entrevista onde reflete sobre a importância do teatro e de festivais como o Prêmio Campo Grande Ao Teatro do qual foi o idealizador.
Giovanni Dorival: Oi, Espedito.
Espedito Di Montebranco: Olá!
Giovanni Dorival: Espedito. Para começar, queria saber como surgiu a Premiação?
Espedito Di Montebranco: Desde que comecei a atuar profissionalmente em 1995 sempre estive em festivais de teatro por considerar ser um espaço onde posso ver vários espetáculos em poucos dias, os diálogos com a comissão de avaliação, com os grupos que expõem as dinâmicas das montagens e o parecer do público com relação ao que viu. Nisso, acumulei mais de 50 prêmios que mostram que estou no caminho certo. Com a ausência do FestCamp[ii], o qual eu fazia em sociedade com mais pessoas, me veio a ideia de propor um prêmio que reconhecesse a velha guarda do teatro sul-mato-grossense, fizesse a amostragem dos trabalhos e pudéssemos debater e assim nasceu o Prêmio Campo Grande ao Teatro.
Giovanni Dorival: Você conseguiu parcerias?
Espedito Di Montebranco: Tive investimento do Fomteatro[iii] e apoio da UFMS[iv] que cedeu 3 dias no teatro. Só isso. Estamos começando e com o tempo vão entendendo a dinâmica do prêmio e parcerias boas surgirão.
Giovanni Dorival: Então a colaboração dos órgãos públicos ficou restrita ao FomTeatro e ao apoio da UFMS?
Espedito Di Montebranco: Apenas Fomteatro e UFMS.
Giovanni Dorival: Quais os caminhos percorridos até o projeto se realizar?
Espedito Di Montebranco: É um projeto que deveria ter sido realizado em fevereiro passado, mas o pagamento foi feito apenas em janeiro de 2023. Abrimos um chamamento aos grupos que se inscreveram e passaram pela curadoria que fez parte do Júri. Depois foram feitas as apresentações presenciais com a presença do público e as avaliações.
Giovanni Dorival: Quando foi o primeiro?
Espedito Di Montebranco: A 1ª edição ocorreu em 2021, restrita ao público em razão da pandemia de covid-19. Apenas os grupos teatrais entraram no teatro tomando todas as medidas necessárias. Gravamos e postamos no Youtube para que a sociedade pudesse assistir. O Segundo prêmio é o primeiro a ser com plateia livre.
Giovanni Dorival: E como foi ter a plateia presente dessa vez?
Espedito Di Montebranco: Acho que igual estar com muita fome e de repente encontrar um banquete. Ficamos dois anos presos em casa com medo de morrer e sem trabalhar, o que eu fazia era gravar meus vídeos e a maioria fez lives. Mas o teatro depende do público, só acontece quando existe a interação entre plateia e atores. E estar vivos e voltar para o teatro depois disso é uma benção. Estamos retomando e a arte teatral resiste e se transforma.
Giovanni Dorival: Os troféus eram bugrinhos da Conceição. Como foi escolhido?
Espedito Di Montebranco: No primeiro Prêmio, o troféu era um acrílico. O Vaca Azul fez um desenho bonito do ipê amarelo que é um símbolo, também nosso, aqui. E, a gente usou como premiação. Mas eu achei mais interessante, que o prêmio fosse uma obra de arte. Então a Conceição dos Bugres tem esse trabalho, né, criou os bugrinhos. E o neto dela, Mariano Neto, segue fazendo esse trabalho dela. Com a morte dela, ele já ajudava, ele a auxiliava. Então, ele acabou ajudando a Conceição e aprendeu a fazer os bugrinhos. De forma que ele continua. Acaba sendo um troféu. Acaba sendo um prêmio, acaba sendo uma obra de arte de um artista vivo que trabalha no fundo da casa dele e precisa também, vender os trabalhos dele. Então é uma forma de divulgar o trabalho dele e de reconhecer, tanto o trabalho que ele faz, quanto a Conceição dos Bugres. Não deixar morrer a memória dela, né.
Giovanni Dorival: Muito bom. Quantos grupos participaram?
Espedito Di Montebranco: 10 grupos.
Giovanni Dorival: Bastante. Qual a importância de se ter eventos com premiações como esse?
Espedito Di Montebranco: Acredito que estimulam de forma saudável a competição e une a categoria. Quem esteve na premiação pode observar que uns grupos comemoravam quando outros ganhavam e com isso mostram que a arte e os artistas precisam se unir cada dia mais. O Prêmio em dinheiro ajuda a pagar as contas e os troféus guardam as lembranças dos momentos bons de estar no teatro.
Giovanni Dorival: Durante nossa entrevista para o livro-reportagem Belo Sul Mato Grosso: um percurso sobre arte e cultura em MS, no segundo semestre de 2021, um pouco antes de entrar para o elenco de Pantanal, você falou da falta de apoio governamental para as artes e, em especial, para o teatro. Mudou alguma coisa desde então?
Espedito Di Montebranco: Nada mudou. Quando falo de apoio falo além de se ter mais investimento financeiro, precisamos de mais projetos também para atender à sociedade e cumprir os discursos lindos de campanha, além de espaços para apresentações. Nós tínhamos há 8 anos atras projetos maravilhosos na Fundação de Cultura do Estado e que simplesmente foram eliminados. Fechou-se o único teatro popular da cidade que é o Aracy Balabanian e com ele morreram os Projetos Cena Som[v]e Escola Vai Ao Teatro[vi]. Acabaram com os projetos: Rua do Teatro. Porque hoje é sábado[vii], Circuito Sul-mato-grossense de Teatro, Prêmio Rubens Corrêa de Teatro[viii] e tantos outros. Se formos analisar não temos mais editais democráticos e nem apoios. Quando se abre um edital público são duas vagas para MS brigar por elas.
Giovanni Dorival: Qual a importância da arte para a sociedade e porque a população deve lutar por ela?
Espedito Di Montebranco: Muitas pessoas não param para pensar o que é arte e quando imagina vêm a imagem de um quadro na parede. Quando você entra em um supermercado têm uma música tocando, têm um alimento com uma foto e nome trabalhado, entra no carro e liga o rádio, chega em casa e liga a TV. Sem o artista nada disso existiria. A TV existe para mostrar um produto artístico, as informações. Em tudo que olhamos ao redor existe arte que serve para informar, divertir, questionar. A História da humanidade é contada através da arte. O homem das cavernas deixou suas pinturas nas pedras e por elas sabemos de onde viemos e quanto tempo aproximadamente estamos aqui. O mundo sem a arte e sem o artista será feito um cemitério.
Giovanni Dorival: Com a conclusão da Premiação, você se sente com o dever cumprido?
Espedito Di Montebranco: Do projeto sim. Foi lindo e bem realizado, mas enquanto artista sinto que preciso produzir mais, formar público para o teatro e viver dignamente da bilheteria e desafogar editais. O artista é um inquieto por natureza e já estou pensando que a próxima edição pode e deve ser maior ainda.
Giovanni Dorival: Virar uma tradição?
Espedito Di Montebranco: Sim. Nosso Estado é novo e precisamos de bons festivais de teatro, música dança e demais. Precisamos chamar a atenção para nossas produções e valorizar nossos artistas
Giovanni Dorival: Tem mais algo sobre o assunto que ache importante dizer?
Espedito Di Montebranco: Acho importante ressaltar a importância da valorização do artista regional. MS é um celeiro de bons artistas que resistem e a maioria aprendeu a fazer seu trabalho com maestria quebrando pedras com os punhos. Fico analisando e entendo que tantos artistas famosos saíram daqui e nem mencionam o Estado. Creio que seja em função do sofrimento que aqui passaram. Os que mencionam é porque passaram direto e não ficaram lutando por aqui. Sou de Bodocó-PE, tenho 54 anos e moro aqui já fazem 50 anos, de forma que me sinto daqui. São 28 anos de profissão, 30 filmes, 30 peças de teatro, novela Pantanal e infelizmente a cada mudança de governo preciso me apresentar e dizer quem sou e lutar para que meus projetos sejam aprovados. Preciso todos os dias provar que estou vivo e …
Giovanni Dorival: Vai ter ator sul-mato-grossense em Terra e Paixão?
Espedito Di Montebranco: Acredito que não. Quando soube da novela, imediatamente fui buscar e descobri o produtor e enviei material e ele me respondeu: ‘Obrigado, gostei muito, mas o elenco está fechado, caso surja uma oportunidade, entro em contato’. Repassei o e-mail a alguns amigos nos quais acredito, e eles só me disseram que receberam a resposta: ‘Obrigado’.
Giovanni Dorival: Parece um desrespeito com os artistas daqui, não é? Você acha que é uma postura da emissora?
Espedito Di Montebranco: Ao menos comigo, foram bem mais cordiais. Mas a culpa não é da Globo, mas nossa. Expliquei que tinha feito Terra Vermelha com Matheus Nachtergaele com direção do Italiano Marco Bechis e que foi gravado em Dourados, que conheço bem a região, inclusive tenho propriedade por lá, mas nada adiantou. De outro lado, vejo que nossa produção em cinema é pouca, se comparada aos grandes centros, sinto que poucos atores se dedicam a estudar essas linguagens e ficam presos a atuação no teatro ou comerciais de TV que nada tem a ver com a linguagem de cinema e Televisão. A distância do Rio de Janeiro também parece ser um fator determinante e a equipe de produção já sai do Rio pronta. E, entendo porque quando saio daqui para o Rio já levo minha bagagem completa, se faltar um creme dental compro por lá, na farmácia …
Giovanni Dorival: Você não acha que a falta de faculdades para a área também é um complicador?
Espedito Di Montebranco: Acho que não. Quem quer se formar pode buscar conhecimento fora e sou dessa geração que saia daqui e ia fazer oficinas no Rio, em São Paulo. Em 2011 eu soube que o Paulo José iria dirigir Murro em Ponta de Faca no Rio, saí daqui, fui lá fiz teste e passei. Fiquei ensaiando 3 meses na casa dele e um mês em Temporada no SESC Copacabana. Quando fico sabendo eu vou à luta, mas novela é mais difícil saber quem são os produtores. O que precisamos é de visibilidade e oportunidades. Eu adoro fazer testes, se reprovar não há problema, mas me alegra ser visto, saber que tive a oportunidade de disputar. Quando a novela Pantanal foi gravada aqui, os governos (Prefeitura e Estado) não se levantaram nem para dar boas-vindas, oferecer apoio, e agora com Terra e paixão foi a mesma coisa.
Giovanni Dorival: Compreendo. Na banca do meu livro-reportagem fiquei sabendo que você também caminhou pelo jornalismo.
Espedito Di Montebranco: Na verdade, parei no último ano. Não consegui estagiar e trabalhar. O Zanatta (meu amigo e Coordenador do curso na UCDB) vivia me enchendo o saco para concluir, mas falta tempo. Na verdade, fiz pelo aprendizado. Me formei em artes cênicas, fiz Jornalismo e duas pós: Arte, Educação e Cultura Regional e depois Produção e Mercado Audiovisual- Fotografia, Cinema e Vídeo.
Giovanni Dorival: Currículo extensão. Me senti pequeno.
Espedito Di Montebranco: Que nada. (Risos). Tenho 54 anos e só pude estudar e começar a atuar aos 27.
Giovanni Dorival: Parabéns por sua carreira e pelo êxito do projeto. Que venham outros sucessos!
Espedito Di Montebranco: Amém.
Notas:
[i] Livro-reportagem do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do curso de bacharelado em Jornalismo pela UFMS, de Giovanni Dorival em 2021.
[ii] Festival Nacional De Teatro de Campo Grande
[iii] Programa de Fomento ao Teatro da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur) de Campo Grande, MS.
[iv] Universidade Federal De Mato Grosso Do Sul
[v] Projeto da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS)
[vi] Projeto Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS) em meados de 1999
[vii] Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur) de Campo Grande, MS.
[viii] FCMS