Marinete Pinheiro e o audiovisual de MS
Cineasta e produtora cultural fala sobre projetos e possibilidades
Ex-coordenadora do Museu da Imagem e Som do Estado, o MIS; Jornalista, escritora e cineasta formada em direção de documentário na Escola Internacional de Cinema e Televisão de Santo Antônio Dos Banhos em Cuba, Marinete da Costa Gomez Pinheiro, tem no currículo, a direção de “A Dama do Rasqueado”. O documentário sobre uma das maiores artistas da música sul-mato-grossense foi um dos 34 selecionados para a Mostra Sesc de Cinema em 2017.
Marinete também é autora de pesquisas sobre os cinemas de Mato Grosso do Sul que renderam os livros Salas de Sonhos – Histórias dos cinemas de Campo Grande” e Salas de Sonhos II – Memórias dos Cinemas de Mato Grosso do Sul”, publicados entre 2008 e 2010 pela Editora UFMS.
Com um olhar para a produção audiovisual do estado, a cineasta fala um pouco sobre suas experiências e esperanças para o setor no estado.
Giovanni Dorival: Olá, Marinete! Acho legal começar com a sua atividade atual depois da coordenação no MIS.
Marinete Pinheiro: Oi. Ok!
Giovanni Dorival: O que você tem feito, Marinete?
Marinete Pinheiro: Trabalhos freelance em várias áreas do audiovisual.
Giovanni Dorival: Você tem acompanhado o áudio visual no estado desde quando?
Marinete Pinheiro: Minhas pesquisas para livro começaram em 2004. Meus livros sobre cinema. Na atividade de produção foi desde 2012
Giovanni Dorival: E como você definiria o cinema em MS?
Marinete Pinheiro: Em constante movimento e crescimento, entendo aos poucos sua importância e lugar no mercado
Giovanni Dorival: Ele tem uma característica própria?
Marinete Pinheiro: Penso que não.
Giovanni Dorival: O que falta para que venha a ter?
Marinete Pinheiro: O processo de formação principalmente técnica é uma característica importante, que trabalha na área vem de formações afins, correlacionadas
Giovanni Dorival: A falta de um ensino superior para a área seria um dos motivos para não se ter um estilo próprio?
Marinete Pinheiro: Na minha opinião este é um fator. O outro é não entender o potencial econômico da atividade.
Giovanni Dorival: Qual seria esse potencial e como ele poderia ser desvelado no estado?
Marinete Pinheiro: Criar eventos de mercado no estado, o poder público incentivar a difusão do que é produzido para fora do estado. Criar linhas de fomento ao desenvolvimento de projetos e roteiros, incentivar a formação técnica e narrativas entre outras coisas, que não só a produção!
Giovanni Dorival: O governo do estado anunciou a realização de festival de cinema em escolas, como você avalia essa iniciativa?
Marinete Pinheiro: Essa inciativa eu criei com o município em 2019 pela Semed[i], depois de um curso de formação que fiz para os professores da rede pública a convite da própria Semed depois ajudei a SED [ii]na formatação desse edital, então fico enormemente feliz que ele tenha se concretizado.
Giovanni Dorival: Como foi a primeira experiência com esse projeto no município?
Marinete Pinheiro: Foi maravilhosa, o MIS deu todo acompanhamento e fizemos a premiação no Glauce Rocha. Estava restrito a Campo Grande e recebemos 32 curtas na ocasião. Sempre estimulando os professores e alunos a participarem.
Giovanni Dorival: Vocês tiveram uma devolutiva dos professores e alunos?
Marinete Pinheiro: Sim muito boa. Foi uma experiência fantástica para eles. Muita emoção na premiação.
Giovanni Dorival: E agora qual é a perspectiva num âmbito intermunicipal?
Marinete Pinheiro: Não estou no processo você pode perguntar a quem está encabeçando esse novo festival.
Giovanni Dorival: Compreendo. E quanto as Leis de incentivo implementadas. Você segue acompanhando?
Marinete Pinheiro: A gente está inserida dentro dos guarda-chuvas do fundo do estado e o fundo do município que é o Fic [iii]e Fimic [iv]e tenho uma expectativa muito grande com a Lei Paulo Gustavo por que tem um percentual exclusivo significativo para o áudio visual que é mais de 50% do valor. Então, o colegiado está fazendo a minuta do edital para apresentar para o estado e devem fazer o mesmo para o município. Então a gente vê um crescente na atividade, com recursos, uma possibilidade de produzir aí com valores perto do que é o mercado de fora, porque a gente sempre produziu dentro desses editais muito fora da margem do que é o mercado fora do Mato Grosso do Sul. E agora a Lei Paulo Gustavo vem para trazer esse folego na produção porque a produção audiovisual é uma atividade cara. Uma atividade que tem um alto valor.
Giovanni Dorival: Como tem sido acompanhar a Lei Paulo Gustavo aqui no estado?
Marinete Pinheiro: Estamos ansiosos para que a Cultura volte a ter o investimento devido, porque ela é um direito básico previsto na constituição, e ainda no MS, temos a falsa cultura dos shows, principalmente sertanejo, então o investimento deve potencializar muitas áreas interessantes que estiveram fragilizadas devido à falta de recurso.
Giovanni Dorival: Que impactos você acredita que a Lei Paulo Gustavo pode ter para o audiovisual como expressão cultural local?
Marinete Pinheiro: Em nível nacional, né. A gente tem que entender que é uma atividade econômica e a produção é muito influenciada pelo consumo. Então tem várias vias para ser incentivadas como principalmente a difusão dessas obras que estão produzidas, as formas de comercialização delas. E no âmbito da expressão cultural, eu vejo, por exemplo, artistas de outras áreas migrando para o audiovisual como uma ferramenta de difusão da arte. Hoje você não vende uma música, um artista não se vende só com a questão da própria música. Ele precisa do audiovisual no âmbito do vídeo clip ou outras formas de imagem para agregar essa música. Então, o que eu espero é um amadurecimento desses processos. Não só para quem está na atividade do audiovisual em si. Mas, também das outras áreas correlatas que acabam usando o audiovisual, o teatro também. A gente vê essa participação do pessoal das cênicas na atividade audiovisual.
Giovanni Dorival: Certo. E como cineasta, qual seu projeto daqui para a frente?
Marinete Pinheiro: Quero filmar “um armário” que está cheio de projetos, (risos). Para não dizer gaveta. Porque são muitos, são longos são projetos que estimei nos últimos anos. Tem ficção, documentário, animação. Mas, sem muitos detalhes para agora.
Giovanni Dorival: Hmmm. Qual sua inspiração?
Marinete Pinheiro: As boas, potenciais e lindas histórias.
Giovanni Dorival: E o que seriam essas boas potências?
Marinete Pinheiro: Dorcelina Folador [v]é uma! As aves do Pantanal é outra. As Memórias dos Lambe-lambes por exemplo é um curta que estou finalizando agora.
Giovanni Dorival: Então você mantém o olhar para a história e a cultura do estado?
Marinete Pinheiro: Sim.
Giovanni Dorival: Como foi seu despertar para o cinema, Marinete?
Marinete Pinheiro: Na verdade eu comecei escrevendo meus livros. Depois fui para escola de Cuba e lá comecei a estudar e produzir.
Giovanni Dorival: Quantas produções, já?
Marinete Pinheiro: Dez filmes. Alguns aqui no Brasil outros em Cuba onde estudei.
Giovanni Dorival: Esses filmes de Cuba foram associados as disciplinas do curso?
Marinete Pinheiro: Sim… alguns foram para festival no exterior.
Giovanni Dorival: Como foi essa participação?
Marinete Pinheiro: Somente o filme foi para um festival em Los Angeles. O nome do filme é “Las Vegas”, minha tese de conclusão de curso da escola de cinema
Giovanni Dorival: Mas, você deve ter comemorado muito, né
Marinete Pinheiro: Muitíssimo. Mas comemorei muito quando o filme da Delinha, A Dama do Rasqueado foi um dos vencedores da Mostra Nacional Sesc de Cinema em 2017. Foi um prêmio lindo, concorremos com mais de 1.200 filmes de todo Brasil. O prêmio de circulação ainda exibiu o filme em todos os espaços de cinema do Sesc no Brasil.
Giovanni Dorival: Wow. Eu fiquei sabendo que você colaborou nas filmagens de “Crime Barato” que na época causou. O que pode falar sobre isso?
Marinete Pinheiro: Eu só fiz algumas cenas operando câmera. Fomos eu e Israel dar uma força para Miguel. Foi uma noturna eu acho ou dia e noite não lembro, faz tanto tempo! Mas, além desses 10 eu fiz muita coisa para muitos outros filmes.
Giovanni Dorival: Entendi.
Marinete Pinheiro: Por exemplo dos quatro cursos de documentário, são cerca de 20 filmes. Alguns ajudei diretamente filmando, editando, outros apenas na parte de construção narrativa
Giovanni Dorival: Você acredita que o cinema, como as outras linguagens tem essa missão de incomodar?
Marinete Pinheiro: Também. Ele é entretenimento para divertimos, mas ele também é uma grande ferramenta de transformação, quantas vidas, memória, historias foram transformadas pela magica da sétima arte, inúmeras! Ele também é uma escola de vida, para quem se deixa contar suas histórias e para quem se coloca no desafio de fazer de uma história uma memória em imagens e sons.
Giovanni Dorival: O que falta em nosso estado para que hajam cineastas e produtores mais fortes?
Marinete Pinheiro: Entender que é uma arte e uma atividade econômica. Profissionalizar a mão de obra, e buscar janelas de exibição para que haja a difusão do material qualificado produzido aqui.
Giovanni Dorival: Vou te fazer a mesma pergunta que fiz ao Espedito. Você acredita que a presença de curso superior de cinema, como o audiovisual na UFMS, poderia dar um boom no Estado?
Marinete Pinheiro: Veio para cumprir um papel formativo muito importante, esse boom acontece quando um curso universitário consegue derrubar os muros que separa ele da sociedade não universitária. Eu particularmente acho a universidade muito fechada com conhecimento produzido para si, sei que muitas coisas acontecem, beneficiam a sociedade, mas ainda, para mim existe um “muro”.
Giovanni Dorival: Compreendo. E, agora com a visão de dentro depois de passar pela coordenação do MIS, como você enxerga o papel da instituição?
Marinete Pinheiro: O MIS tem um papel fundamental na atividade que o compreende (imagem e som). Trata-se de uma instituição pública criada pelo estado por Lei, e enquanto estive lá, busquei honrar a missão que foi dada ao Museu e a mim. Então penso que pela importância desse espaço, e pelo zelo que o público tem por ele, qualquer novo gestor vai honrar e seguir fazendo o melhor.
Giovanni Dorival: Legal. Você tem preferência por um gênero? Seria o documentário a sua maior paixão?
Marinete Pinheiro: Minha formação na Escola de Cinema foi em Direção de documentário, porem eu fiz alguns filmes de ficção, porque na escola nós aprendemos e praticamos todas as áreas do cinema. Então eu sei editar, fazer som, produção, roteiro, fotografia etc.
Giovanni Dorival: Entendi. Nos últimos tempos você publicou várias fotografias junto a manifestações de etnias. Pode falar um pouco sobre o tema?
Marinete Pinheiro: Me envolvi com movimento de Mulheres Indígenas no MS, por uma questão de empatia, caminhei com elas e sigo, mas agora de forma mais centrada. Com alguns projetos de filmes, dirigido por indígenas, mas que colabora na causa. E, ajudo a MC Anaranda na carreira de cantora dela como rapper. Inclusive ela eu conheci indo para a Marcha de Mulheres em Brasília
Giovanni Dorival: Que legal? Você vê muitos potenciais artísticos nessas interações?
Marinete Pinheiro: Muitíssimos. O guarani combina demais para rimar no rap.
Giovanni Dorival: Olha, que show. Existe mais alguma coisa sobre você, seus projetos ou os temas que falamos que você gostaria de deixar como mensagem?
Marinete Pinheiro: Eu fui uma das poucas pessoas que teve o privilégio de estudar cinema em uma escola, com espirito de compartilhar o que recebe, então sou imensamente grata pelas oportunidades de colaborar com aqueles que tem vontade de contar boas e sensíveis histórias através do cinema.
Giovanni Dorival: Bacana. Para finalizar, quem é a sul-mato-grossense Marinete Pinheiro?
Marinete Pinheiro: Difícil pergunta. Sou areia branca presa na ampulheta que é o MS. Sinto hoje que fico nesse movimento de fluxo contínuo por aqui.
Giovanni Dorival: Muitas reflexões nessa imagem! Obrigado!
Marinete Pinheiro: Eu que agradeço.
Notas:
[i] Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande
[ii] Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul
[iii] Fundo de Investimentos Culturais
[iv] Fundo Municipal de Investimentos Culturais
[v] Sem Terra e prefeita pelo Partido dos Trabalhadores (PT) de Mundo Novo (MS), foi assassinada com seis tiros pelas costas em 30 de outubro de 1999, na varanda de sua casa.