Silvia Tavares e a Escola Que Forma Mães na Capital de MS
Professora e Empreendedora conta como transformou luto filial em projeto assistencial
Nascida em Rinópolis, cidade do interior de São Paulo, a jovem Silvia Tavares veio morar na capital do recém estabelecido estado de Mato Grosso do Sul no início de 1980 com muitos sonhos e o magistério que lhe permitiu ingressar a vocação de professora.
Pedagoga, especialista em Gestão de Escolas com Abordagem Administrativa e Pedagógica, e, em Educação Infantil do Ensino e Aprendizagem pela UFMS; Silvia transformou as memórias e os exemplos de sua mãe em combustível para superar a dor e ir além ajudando diversas mães na capital quando, há uma década, deu os primeiros passos para a criação da Escola de Mães Luz e ao Instituto de Apoio Proteção Pesquisa Educação e Cultura, Iappec, onde desenvolve diversas atividades sociais.
Nesta entrevista, Silvia Regina Ferreira Tavares Farina, reflete sobre sua caminhada, as influências de sua mãe em sua vida e a importância de uma entidade que permite que diversas mães de Campo Grande, adquiram um horizonte de vida a partir do autoconhecimento, da autovalidação e de uma formação profissional.
Giovanni Dorival: Oi, Silvia! Tudo bem?
Silvia Farina: Oi. Tudo bem!
Giovanni Dorival: Ah, que ótimo. Vamos começar com algumas informações sobre você? Nasceu no estado de São Paulo, certo?
Silvia Farina: Nasci em Rinópolis, no interior de São Paulo.
Giovanni Dorival: Quando foi que chegou aqui em MS, Sílvia?
Silvia Farina: Em 23 de novembro de 1983.
Giovanni Dorival: Olha. O ano em que nasci! Vai fazer 40 anos que é sul-mato-grossense, portanto. Que idade você tinha, Sílvia?
Silvia Farina: Isso. Tinha 20 anos.
Giovanni Dorival: Muito jovem. Veio com sua família?
Silvia Farina: Vim primeiro com o meu irmão adotivo. Ele já trabalhava aqui. Após meses vieram minha mãe e duas irmãs. Uma outra já era casada e ficou em Osvaldo Cruz, SP.
Giovanni Dorival: E seu pai?
Silvia Farina: Meu pai faleceu em um acidente de automóvel, aos 36 anos. Minha mãe tinha 25 anos e 4 filhas: Cristina, de 3 anos; Maristela, de 2 anos; Célia, de 1 ano. E, Silvia (eu), com 4 meses.
Giovanni Dorival: Sua mãe teve de lidar com o luto e a responsabilidade de criar os filhos, então?
Silvia Farina: Sim. Sem estudo, pois fez o Mobral quando já estávamos crescidas. Ela costurava para fora, dava aula de corte e costura. Com o tempo, abriu um supermercado na cidade e ela foi trabalhar lá.
Giovanni Dorival: Puxa! E assim ela chefiou a família até vocês voarem por conta própria?
Silvia Farina: Sim. Nos deixou, como dizia, uma herança que ninguém poderia nos tirar… Educação. Fé. Caráter. Determinação.
Giovanni Dorival: Que sentimentos você tem, hoje, de ter sido tutelada por uma mãe tão poderosa?
Silvia Farina: Sentimento de empoderamento (palavra atual, mas, muito usada desde muito tempo). Valor no potencial de uma mulher-mãe. Certeza de que a Educação transforma o mundo. A Fé é a esperança em pessoas melhores. Determinação pode ser a ponte para uma vida bem-sucedida.
Giovanni Dorival: Compreendo. E, quando foi que a jovem Silvia começou a própria trajetória?
Silvia Farina: Em 1984 iniciei meu trabalho como professora da rede particular de ensino e em 1986 me efetivei através de concurso público na rede estadual de ensino. Daí para frente nunca mais sai da educação.
Giovanni Dorival: Você já veio formada, então.
Silvia Farina: Vim formada no Magistério. Naquela época podíamos exercer a profissão sem o curso superior. O curso superior só finalizei em 1987.
Giovanni Dorival: Compreendo. E como foi formar família aqui?
Silvia Farina: Em 1991 me casei com um rapaz nascido em Campo Grande, MS. Com ele tive a minha filha, Ana Lívia Tavares.
Giovanni Dorival: Que por sinal, também é Jornalista.
Silvia Farina: Sim….minha menina linda…amo ao infinito…a melhor parte de mim.
Giovanni Dorival: Sílvia. Imagino que sua mãe foi referência em muitas situações da sua vida profissional, materna e como esposa, certo?
Silvia Farina: Certo, minha mãe foi uma referência de vida pessoal, familiar e profissional. Era suave, e, ao mesmo firme.
Giovanni Dorival: Você tem uma lembrança marcante de algum momento em que se sentiu no exato lugar de sua mãe?
Silvia Farina: Sim. Quando passei pelo processo de separação conjugal e me vi sozinha para manter a casa, a filha de 5 anos… hoje 30 anos… a minha vida profissional… Eu com uma filha, com estudo, profissão definida… Imaginava: ‘estou sofrendo… como foi para minha mãe a viuvez, a vida com 4 crianças tão pequeninas’.
Giovanni Dorival: E isso te deu forças?
Silvia Farina: Sempre! …Além do próprio acolhimento dela que era absolutamente indizível. Ela era Luz. Não me julgava…apenas acolhia.
Giovanni Dorival: Você a definiu como Luz, que é hoje o nome da Escola de Mães, certo?
Silvia Farina: Sim. Quando ela faleceu, no dia 27 de abril de 2007 fiquei muito triste, emocionada…me ajoelhei no banheiro do seu apartamento no hospital e, prometi a ela que continuaria sendo e fazendo o que ela amava fazer…acolher. Daí para frente comecei a escrita da metodologia da Escola de Mães Luz.
Giovanni Dorival: Luz, é ainda a abreviação do nome de sua mãe. É isso?
Silvia Farina: Sim. Luz vem de Luzinete.
Giovanni Dorival: Então, mais uma vez, inspirada por sua mãe, você transformou um momento de dor em força e superação.
Silvia Farina: Isso….me apeguei ao trabalho e segui adiante.
Giovanni Dorival: Os primeiros passos para esse projeto foram muito difíceis?
Silvia Farina: Não sentia dificuldades, pois eu ia até os locais, trabalhava com as mulheres mães e assim seguia…sábados, feriados, domingos. Ficou mais difícil na época da pandemia. Tudo era muito novo…doença, fome, desemprego, tristeza, perdas…. Aí foi a fase mais difícil.
Giovanni Dorival: Entendo. E, para conseguir apoio e colaboradores?
Silvia Farina: Amigos, ex alunos, família…. Pedia muita comida, material de higiene… Graças a Deus as pessoas confiam no meu trabalho como ser humano, educadora …assim encontro ” eco” e sigo.
Giovanni Dorival: Entendi. E quais foram os primeiros passos para a Escola, Silvia?
Silvia Farina: Depois de escrita a metodologia foi a aplicabilidade…pontos positivos e negativos. Foram anos dedicados ao trabalho. Em 2021 minhas irmãs me doaram a casa da minha mãe e, fiz a Escola de Mães Luz.
Giovanni Dorival: Certo. E quais são as atividades da Escola?
Silvia Farina: O Percurso da Escola de Mães Luz é estabelecido em Eixos do conhecimento: Eu comigo; Eu com o outro; Eu e o meio ambiente; Eu e a minha profissão. Tem Cursos de Saúde mental; Arte-terapia; Coral para mulheres mães; Educação Financeira e Empreendedorismo; além de Culinária no dia a dia.
Giovanni Dorival: Existe também o apoio psicossocial, certo?
Silvia Farina: Isso. A equipe de psicologia faz atendimento individual ou coletivo. Hoje quem nos apoia na Escola de Mães Luz é o Ministério Público do Trabalho de MS. Temos uma equipe multidisciplinar. Passe de ônibus. Alimentação. Uniforme. Kit escolar. Apostilas. Um sucesso total. Só gratidão e alegria!
Giovanni Dorival: Imagino! Para quem é a Escola de Mãe Luz, Silvia?
Silvia Farina: Para mulheres mães independentemente da idade em que se encontra. Pode ser mãe biológica, do coração, mãe-avó. Se ela está no papel de mãe, a Escola de Mães Luz acolhe. Qualquer região da nossa cidade.
Giovanni Dorival: Com base na realidade de hoje, poderíamos dizer, então, que mães dos 15 aos 70 anos?
Silvia Farina: Temos mães de 78 anos e ontem recebemos uma super de 88 anos…um aprendizado
Giovanni Dorival: Deve ser lindo, ter alguém com tanta experiência procurando saber mais, né?
Silvia Farina: Sim. Experiência ímpar. Ela sabe da importância de acompanhar a mudança do mundo.
Giovanni Dorival: Uma grande lição! Bom. Você deixou claro que não tem idade para entrar na Escola. E que há várias formas de maternidade na Escola.
Silvia Farina: Isso. Sem preconceitos. Sem julgamentos.Uma rede de apoio que se constrói diariamente a partir de muitas mães.
Giovanni Dorival: Existe, também, alguma abertura para as novas formas familiares? Pães, mães transexuais, por exemplo?
Silvia Farina: Não vivemos a experiência por não termos a procura, mas as portas estão abertas.
Giovanni Dorival: Compreendo. Existe debates sobre as relações e estruturas familiares da atualidade?
Silvia Farina: No Eixo Eu E O Outro trabalhamos a pluralidade social.
Giovanni Dorival: Bacana. De quando tudo começou até aos dias de hoje, a Escola já teve diversas experiências e inúmeras histórias de superação, imagino. Tem algum caso, em especial, que te marcou, Silvia?
Silvia Farina: Iniciei em 2007 com o desejo e a promessa. Dia 10 de maio de 2014 ela foi fundada. Em maio de 2022 a Escola de Mães Luz iniciou as atividades na sede. Muitos casos são marcantes. A transformação é muito rápida. A mulher mãe é sedenta por mudanças que lhe auxiliem em escolhas mais assertivas. No Eixo Eu E A Minha Profissão, no Jardim Noroeste, trabalhei com uma turma de umas 20 mulheres. Apresentei o conteúdo e ofertei o projeto que desenvolvemos com as mulheres mães que queiram montar seu próprio Brechó. Uma delas, aceitou o desafio e iniciou a busca pela sua independência financeira.
Giovanni Dorival: E, quanto ao Instituto? É uma atividade a parte?
Silvia Farina: O IAPPEC é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público que acolheu a Escola de Mães Luz.
Giovanni Dorival: Poderia dizer como funciona?
Silvia Farina: O IAPPEC? É uma instituição sem fins lucrativos que, desde 2003, atua no terceiro setor através de implantação e desenvolvimento de projetos e programas sociais nas áreas de educação, pesquisa e cultura.
Giovanni Dorival: Certo. Bom, além de apoio psicossocial, aulas de culinária, artesanato, empreendedorismo, a Escola também, realiza atividades sociais para a comunidade externa como a coleta e doação de agasalhos. É isso?
Silvia Farina: Sim. Coleta de roupas, calçados, alimentos…. Fazemos também o Natal Solidário.
Giovanni Dorival: Quem são os assistidos dessas campanhas, Silvia?
Silvia Farina: Famílias indicadas pelas próprias mulheres mães, Comunidades Terapêuticas, Favelas, Aldeias Urbanas.
Giovanni Dorival: Bacana. Para materializar a Escola, além da inspiração em sua mãe, você buscou modelos de projetos parecidos?
Silvia Farina: Não busquei. Foi acontecendo. Nunca fui atrás de ler ou conhecer projetos que acolhem mulheres mães. Deixei fluir.
Giovanni Dorival: Entendi. Existe algum processo seletivo para as mães ingressar na Escola?
Silvia Farina: Estarem dispostas a seguir, respeitar horário de entrada e saída. Para obter o passe de ônibus, ser inscrita no NIS.
Giovanni Dorival: Entendo. No início de nossa conversa, você deixou claro quero tem a Escola como filha. Que planos você ainda tem guardado para o crescimento dessa filha?
Silvia Farina: Oh meu Deus que lindo! Desejo deixar um legado que seja contínuo. Sonho em continuar mantendo a Escola de Mães Luz e acolhendo as mulheres mães que necessitam desse acolhimento ofertado nessa Rede De Apoio. Quero um dia, poder espalhar pelo mundo mais Escola de Mães Luz. É ousado, porém possível. Mãe feliz, equivale a família feliz.
Giovanni Dorival: E, a Ana? Não tem ciúmes dessa irmã?
Silvia Farina: Não….é minha incentivadora. Ama minhas loucuras. Viaja comigo. Só é mais pé no chão.
Giovanni Dorival: Compreendo. (Risos).
Silvia Farina: Faz cerimonial para mim nas formaturas das mulheres mães. Quando fui trabalhar na África foi mais difícil. Depois se acostumou.
Giovanni Dorival: Bacana! Qual é o tempo de formação das mães na Escola?
Silvia Farina: Em média, 4 meses. Iniciamos uma turma em fevereiro e dia 17 de junho foi a Formatura delas.
Giovanni Dorival: Puxa! Deve ser um momento muito emocionante, certo?
Silvia Farina: Sim. Incrível. Quase todas elas nunca tiveram uma formatura. Foi a primeira.
Giovanni Dorival: Um momento marcante,mesmo. Agora a pouco, falamos da Ana Lívia, que se casou recentemente, no ano passado. Você imagina que, quando ela for mãe irá se ver e ver sua mãe nela também?
Silvia Farina: Eu tenho certeza disso. Vejo na Ana Lívia muito de mim. Ela tinha um vínculo com a avó imenso …de alma.
Giovanni Dorival: Olha! Que curioso! Quem era a Silvia Tavares antes de vir para MS?
Silvia Farina: Eu era uma menina do interior de São Paulo, de família pobre, sem possibilidades de crescer na vida profissionalmente, pois lá, já existiam professores excelentes ocupando as escolas e fazendo a diferença. Eu trabalhava num consultório de odontologia como atendente e auxiliar. O ganho era pouco. Me vestia com roupas que ganhava das amigas financeiramente mais abastadas. Eu era um potencial adormecido.
Giovanni Dorival: Olha! E, a Silvia sul-mato-grossense. Quem é?
Silvia Farina: Putz….Eu sou uma potência… (risos) …trabalho no que amo, ser professora é a minha definição de ser humano nessa existência. Sou mãe de uma mulher incrível…inteligente…determinada…engraçada e linda… Sou uma ativista da causa Mulher-Mãe…. Sou uma cidadã do mundo. Com os 60 anos chegando… Tempo…vai devagar! (Risos).
Giovanni Dorival: Muito jovem, como a minha mãe. Olha, Sílvia, geralmente, eu encerro a entrevista nestes dois pontos. Porém, acho que vale a pena perguntar também, quem é a Silvia depois da Escola Mães Luz?
Silvia Farina: Sou cada dia mais consciente do meu papel como educadora, como exemplo para outras pessoas. Sou firme e ao mesmo tempo leve…. Sou incansável no trabalho pelo e para o bem. Eu acredito num mundo mais harmônico, justo e saudável. Eu sei que existe um caminho, pois eu vivo essas experiências diuturnamente na Escola de Mães Luz.
Giovanni Dorival: Puxa! Te agradeço muito pela entrevista, Silvia!
Silvia Farina: A gratidão é minha, querido.
Giovanni Dorival: Confesso que me emocionou. Muito obrigado por compartilhar sua trajetória com a gente!
Silvia Farina: Admiro o trabalho de vocês e dou o maior valor. Vocês espalham informações, conhecimento e, ainda conseguem tornar visíveis os invisíveis. Vocês são incríveis. Venha nos visitar!
Giovanni Dorival: Irei com prazer. Gratidão!