Salgado Óbolo
E, chega uma nova alvorada
É início de um novo mês
Levanta para trabalhar
Feliz por findar essa escassez
Pois é dia do pagamento
Incontido pelas possibilidades
Que sua mente ansiosa anima
Sonhos, realizações especuladas
Que o faz cantar, dançar e sorrir
Com impávida generosidade
Embora a lida de todo dia
Permaneça a mesma
Árdua, irreconhecida
Cheia de exigências descabidas
Segue em desvario meditando
No consumo que tanto aguardara
O feijão que acabara há tempos
Com a mistura sempre escassa
E outras pequenas substâncias
Todas, pequenos gozos de viver
O mínimo que um ser humano
Possa e precise para sobreviver
No arrastar inexorável
Desses anos de exploração
Recebe, enfim, o salário
Que igual o óbolo sem misericórdia
Costumeiramente despejado
Pelos patrões em dias de missa
Aos pedintes que aumenta nas ruas
Com o avançar desses anos canhestros
Onde sobram desemprego
E avulta a riqueza concentrada por poucos
Corre ele, como outro abandonado
Nas sarjetas espúrias do bairro humilde
E, volta cabisbaixo para a casa
Trazendo menos de um terço
Do que esperava comprar
Sabendo que daqui até o próximo mês
Terá de economizar cada grão de alimento
Que trocou pelo suor de seu trabalho
Em quatro semanas de lida árdua
Que, não obstante, segue a cada dia
Pouco a pouco, levando para a vala
O desgaste de sua pobre existência
Extraído do livro “Sonhos Perdidos De Um País Vermelho-Brasa”, de Giovanni Dorival