Caderno BGiovanni DorivalPerfil do MS

Fernanda Corrêa e a Fé e Devoção na tradição do bolo de Santo Antônio

Coordenadora dos voluntários de confeitaria deste ano, revela testemunho de fé e bastidores dos trabalhos.

Em 29 de outubro de 2001, por meio da Lei nº 3.901, o então prefeito Nelsinho Trad institucionalizou o dia 13 de junho como feriado do padroeiro de Campo Grande, a devoção ao santo, entretanto, precede a própria fundação da capital. Conta-se que ao deixar a cidade mineira de Montes Claros para seguir com caravana ao Mato Grosso, em 1872, José Antônio prometeu ao santo que lhe ergueria uma igreja, se ninguém de sua família fosse atingido pelo surto de febre que atingira várias pessoas.

Hoje, na paróquia que o fundador da capital teria erguido por volta de 1877, como uma capela de pau a pique na região entre o encontro dos córregos Segredo e Prosa em cumprimento a sua promessa, Santo Antônio, o padroeiro de Campo Grande, comemorado todo dia 13 de junho, é reconhecido no estado pela distribuição de bolo feito por voluntários da paróquia.

Reconhecido como santo casamenteiro, um dos ritos tradicionalizados do padroeiro de Campo Grande, é a sorte de encontrar uma aliança que, dentro da fé popular é interpretado uma graça obtido por Santo Antônio. Este ano, a coordenação dos trabalhos de confecção, esteve a cargo de Fernanda Corrêa, que há 6 anos deixou Aquidauana e o trabalho bancário para buscar uma vida nova na capital.

Fernanda com equipe de voluntários. Foto: Arquivo pessoal

Dona de um ateliê que há 2 anos funciona num anexo de sua própria casa e que tem nas suas redes sociais a vitrine de seus trabalhos, Fernandinha, como é conhecida, trabalha com apenas uma ajudante, mas não esconde a alegria do trabalho em equipe e como expressão de fé durante a entrevista.

Giovanni Dorival: Olá, Fernanda! Tudo bem?

Fernanda Corrêa: Olá boa tarde. Sim.

Giovanni Dorival: Poderia me dizer há quanto tempo participa da feitura do bolo de Santo Antônio?

Fernanda Corrêa: Há 5 anos. Mas esse é o primeiro ano como Coordenadora.

Giovanni Dorival: Poderia me dizer seu nome completo, um pouco de sua origem e como entrou no ramo alimentício?

Fernanda Corrêa: Ok. Sou Fernanda Corrêa, sou confeiteira. Esse ano fazem 20 anos que estou na confeitaria. Sou de Aquidauana e há 6 anos mudei para Campo Grande.

Giovanni Dorival: Nasceu e cresceu em Aquidauana?

Fernanda Corrêa: Sim. Comecei a trabalhar lá. Fui pioneira lá em Aquidauana.

Giovanni Dorival: Olha! Fala um pouco sobre seu pioneirismo lá.

Fernanda Corrêa: Sou ex bancária. E tive problemas de tendinite, fibromialgia. Fui afastada do trabalho por conta disso e em casa comecei a fazer pão de mel, até para me ocupar e lutar contra uma depressão que estava me rondando. Pesquisei uma receita e adaptei ao meu gosto. Fiz no meu aniversário e todas as pessoas que comeram amaram e já encomendaram. E foi assim que tudo começou. Voltei para o banco, e ainda fazia a noite (e madrugadas), mas com a firme convicção que esse seria meu futuro. Depois de anos, fui fazer meu primeiro curso de modelagem em São Paulo. E aí não parei mais com os cursos e buscando aprimorar cada vez mais o meu trabalho.

Giovanni Dorival: Olha, que bacana! E como foi a transição para o empreendimento próprio e a chegada em Campo Grande?

Fernanda Corrêa: Eu resolvi mudar para meu filho estudar aqui (medicina) e aluguei um ponto comercial lá na Barão. Fiquei lá por 4 anos e compramos uma casa e construí meu ateliê junto. Porque não tenho a intenção de ser grande. Gosto de trabalhar com qualidade. Meus bolos são personalizados e é difícil mão de obra especializada

Giovanni Dorival: Entendi. Você citou seu filho. Pode falar um pouquinho sobre sua família?

Fernanda Corrêa: Sim. Sou casada há 27 anos (com meu primeiro namorado). Ele é advogado (Alexandre Alves Corrêa) e também é de Aquidauana. Namoramos desde a adolescência. Tivemos um filho, Eduardo, que hoje está com 22 anos e cursa 3º ano de Medicina em Rio Verde de Goiás.

Giovanni Dorival: Bacana, sua família é católica? Sim. Somos Campistas também.

Giovanni Dorival: Como é ser campista?

Fernanda Corrêa: Fizemos o acampamento católico lá da Santo Antônio. Foi assim que conheci a paróquia logo que cheguei aqui. Em Aquidauana, participávamos do ECC (Encontro de Casais com Cristo).

Giovanni Dorival: Ah, sim. Como começaram a ser campistas?

Fernanda Corrêa: Quando chegamos aqui, nos sentimos órfãos dos movimentos da igreja. Então ficamos sabendo desses acampamentos e resolvemos nos inscrever. Na época era feito sorteio. Eu e meu marido fomos sorteados. Não era de casal, mas tivemos a oportunidade de vivenciar juntos a experiência e foi maravilhoso. Depois meu filho também fez. Então somos uma família campista.

Giovanni Dorival: Compreendo. E como o campismo te levou ao bolo de Santo Antônio?

Fernanda Corrêa: Então … por eu já ser confeiteira, automaticamente me interessei pelo Bolo. E comecei a ajudar, de maneira bem voluntária, aos poucos. Apenas os três últimos que tive participação mais ativa. E nesse ano foi com dedicação total.

Giovanni Dorival: Poderia falar um pouco mais sobre sua primeira experiência com o bolo? Como funciona esse trabalho voluntário, exatamente?

Fernanda Corrêa: Experiência maravilhosa.

Giovanni Dorival: Entendi. Na festa de Santo Antônio, em específico, como funciona o voluntariado para a confecção do bolo?

Fernanda Corrêa: Montamos equipes de trabalho e as pessoas vão se colocando à disposição. São três turnos: Das 07 as 12h. Das 13 as 18h. Das 18 as 22h. E cada um vai de acordo com sua disponibilidade e habilidade. Ou apenas com sua boa vontade de servir e vamos encaixando.

Fernanda e membros colaboradores durante confeito do bolo. Foto: Arquivo pessoal

Giovanni Dorival: Na primeira vez que participou, o que te marcou mais?

Fernanda Corrêa: No servir, me emociona a disposição dos paroquianos em ajudar de qualquer forma. Na entrega, a fé das pessoas. Tinha uma senhora de 80 e poucos anos sozinha, naquele frio, para pegar o bolo as 5 da manhã.

Giovanni Dorival: Nossa. Muito cedo! Os voluntários são todos devotos de Santo Antônio?

Fernanda Corrêa: Sim. Todos paroquianos

Giovanni Dorival: Tem alguma história pessoal ou de algum voluntário que começou a trabalhar no bolo para pagar alguma promessa ou obter alguma graça especial?

Fernanda Corrêa: Tem algumas moças que estavam agradecendo casamentos.

Giovanni Dorival: Ah, sim. Você fez uma promessa?

Fernanda Corrêa: Não fiz promessa, mas pedi uma graça

Giovanni Dorival: Como foi?

Fernanda Corrêa: Eu comecei na confeitaria fazendo doces personalizados. E logo que mudei para cá, incorporei os bolos também. Durante a pandemia, precisei me adaptar e os bolos começaram a tomar conta da minha produção. Mas mesmo assim fazíamos doces e em grande quantidade. Eram várias festas por semana, com temas diversificados. Porém estava demais de cansada. E queria ficar só fazendo bolo. Mas precisava confiar na provisão, de que apenas com os bolos eu iria conseguir prover meus compromissos. Tomei a decisão, postei. E fiquei em constante oração. Quando Padre Wagner me chamou para coordenar o bolo, para mim, foi uma resposta de que eu daria conta, que bolo era o caminho. Porque assim tem sido desde que dei o meu SIM e parei minha produção por exatos 7 dias, e nada me faltou e nem faltará.

Giovanni Dorival: Olha, que testemunho! As graças que os outros voluntários pedem, estão sempre ligadas a casamento ou varia?

Fernanda Corrêa: Varia. A fé em Santo Antônio vai além do casamento.

Giovanni Dorival: Entendo. Você está trabalhando na feitura dos bolos de Santo Antônio há cinco anos?

Fernanda Corrêa: Sim

Giovanni Dorival: Como foi passar pelo período de pandemia durante a festa do padroeiro?

Fernanda Corrêa: Foi nessa época que optamos por fazer bolos de pote. E foi muito tranquilo. Tanto que agora não mudamos mais. E todos anos a procura aumentou bastante. Pulamos de 7.500 potes para 13.100, esse ano.

Giovanni Dorival: Wow! Durante a pandemia, os voluntários tiveram casos de familiares internados? Como foi?

Fernanda Corrêa: Foi geral né. Para todo mundo. Mas trabalhávamos de máscara, tentando minimizar.

Giovanni Dorival: Entendo. Nesses cinco anos, teve algum caso de fé que te emocionou muito?

Fernanda Corrêa: N entrega do bolo é muito emocionante. As pessoas, principalmente de mais idade, partilham suas bênçãos. Ontem mesmo um homem, estava levando o bolo, com fé de que iria se reconciliar com sua esposa. Ele disse que precisava de harmonia no lar dele. E por aí vai… Pessoas de idade. Quando chegamos lá, abrimos o salão paroquial e colocamos ela pra sentar lá dentro. Mas 10 minutos depois ela saiu, porque já estava se formando uma fila e ela não queria perder o lugar. Nessa fila, antes das 6, naquele frio, só tinham pessoas de idade e inclusive um cadeirante.

Giovanni Dorival: Nossa! Essas pessoas buscam receber bênçãos por meio do bolo, certo?

Fernanda Corrêa: Sim. É impressionante. Ontem falamos sobre isso. Sobre a nossa responsabilidade. Me emocionei muito. Porque mexemos com a fé das pessoas. Não é só um simples bolo, é o Bolo de Santo Antônio entende?

Giovanni Dorival: Já conheceu alguém que recebeu uma graça a partir do bolo?

Fernanda Corrêa: Como te disse … as pessoas vão testemunhando ao longo do processo. Eu não me lembro agora especificamente.

Giovanni Dorival: Entendi. Queria que falasse um pouco dos bastidores. Da seleção de ingredientes e voluntários, até o momento da distribuição, o que acontece que a gente morre de curiosidade de saber. Por exemplo, o lado mais espiritual durante o processo, como é?

Fernanda Corrêa: Oração antes, durante e depois. Louvamos a Deus o tempo todo. E as partilhas acontecem durante todo o processo.

Giovanni Dorival: Deve ser uma experiência diferente do trabalho cotidiano, né?

Fernanda Corrêa: Super! Trabalhei feito doida e sai com a sensação que estava em férias.

Giovanni Dorival: Bacana. Existe algum momento de bênçãos para o bolo e as alianças?

Fernanda Corrêa: Sim. Depois de pronto, o padre abençoa tudo.

Giovanni Dorival: Apenas mulheres se voluntariaram?

Fernanda Corrêa: Não. Temos homens também.

Giovanni Dorival: Mas, as mulheres são maioria?

Fernanda Corrêa: Sim.

Giovanni Dorival: Além de ser um evento religioso, qual a importância da festa para você, Fernanda?

Fernanda Corrêa: Para mim tem cunho totalmente religioso. Esse ano foi um desafio pessoal. A responsabilidade era grande, mas a minha fé de que daria conta também. Afinal, como te disse … não é um simples bolo. É um bolo que mexe com a fé das pessoas. Então precisava ser feito de maneira especial, com carinho que os devotos merecem.

Giovanni Dorival: Já que mencionou. Como foi ficar à frente de um trabalho de fé tão importante para o calendário da capital?

Fernanda Corrêa: Fiquei muito honrada com a confiança da minha paróquia, do meu padre. É um evento grande, importante … enfim, foi uma grande responsabilidade, que para mim, foi resposta de oração. Essa sua perguntar me fez a dimensão do desafio que foi, até então não tinha me dado conta disso.

Giovanni Dorival: Muito maior do que pensava?

Fernanda Corrêa: Sim.  Parei para pensar que entregamos 10.000 ontem pela manhã na igreja.

Giovanni Dorival: É muita gente e muito bolo, né?

Fernanda Corrêa: Sim.

Giovanni Dorival: Entendo. Como é o momento de inserir as alianças? Acontece uma escolha específica de qual fornada ou pote irá conter aliança?

Fernanda Corrêa: Sempre cercado de carinho por parte da equipe. Não especificamente. Quando tem uma boa quantidade pronta, vamos colocando e misturando.

Giovanni Dorival: Entendi. No final, nem vocês sabem quais tem aliança, então?

Para Fernanda, foi um trabalho alegre e de dedicação. Foto: Arquivo pessoal

Fernanda Corrêa: Sim. Perdemos a noção. Aí já é com Santo Antônio (risos).

Giovanni Dorival: Está certo. Esse trabalho todo de fé, te transformou de alguma forma?

Fernanda Corrêa: Super!!! Estar em comunidade, trocando com as pessoas foi maravilhoso. E vi também, que parar uma semana da minha vida, do meu trabalho, para servir à Deus e à minha igreja, só me fez ganhar.

Giovanni Dorival: É uma experiência que você recomenda?

Fernanda Corrêa: Super recomendo. Servir a Deus é maravilhoso! Estar em comunidade também.

Giovanni Dorival: Compreendo. O que você acha importante que as pessoas saibam sobre o bolo e a festa de Santo Antônio em Campo Grande?

Fernanda Corrêa: Acho importante frisar que é um bolo preparado pela comunidade, com muito amor e com muita fé. Além dos bons ingredientes, usamos todo nosso carinho para fazer, para acolher os voluntários que fazem questão de ajudar também. É um evento que movimenta muito a nossa paróquia.

Giovanni Dorival: Quem era e quem é a Fernanda depois de começar a trabalhar como voluntária nas festas de Santo Antônio?

Fernanda Corrêa: Eu sempre me senti muito insegura e medrosa. Mas isso nunca me paralisou. Hoje me sinto muito mais confiante e corajosa. Exercito a minha fé todos os dias porque sei que “Tudo posso naquele que me fortalece”.

Giovanni Dorival: Muito bom, Fernanda! Gratidão!

Fernanda Corrêa: Obrigada a você. Foi interessante relembrar alguns fatos da minha vida.

Giovanni Dorival: Puxa! Que bom!

Fernanda Corrêa: Muito obrigada. Adorei!

Giovanni Dorival: Imagina. Obrigado pela sua atenção!

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